Madeira na Construção Civil
- Em novembro de 2010, durante o evento TEDx Amazônia realizado em Manaus, com o tema “Qualidade de Vida para todas as espécies do planeta”, o extrativista José Cláudio Ribeiro da Silva - o Zé Cláudio, proferiu uma palestra sobre um tema polêmico: a exploração ilegal de madeira nas florestas nativas no Município de Nova Ipixuna, no Estado do Pará, revelando ainda que recebia constantes ameaças de morte devido às suas denúncias e à insistência em preservar a floresta que garantia a sua subsistência e a de outras famílias.
Seis meses depois, ele e sua esposa Maria do Espírito Santo foram assassinados, engrossando a lista de nomes como Chico Mendes e Irmã Dorothy Stang.
- Em março de 2013 a Comissão Pastoral da Terra denunciou que em dezembro de 2012, o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária concedeu à mulher do homem acusado de ser o mandante do crime, a posse da terra antes ocupada pelo casal assassinado. Em abril de 2013 o acusado foi absolvido e apenas os executores condenados.
O episódio acima expõe, não apenas a brutal realidade sobre a ação de grileiros de terras destinadas à exploração predatória de madeiras nativas da Amazônia, mas principalmente o total desrespeito às leis vigentes, como o Código Florestal Brasileiro.
- Vários fatores contribuíram para que o Código fosse descumprido, como a pouca fiscalização, a morosidade da justiça, a falta de incentivos econômicos, a corrupção e a própria cultura de descumprimento da lei (ELLINGER e BARRETO, 2011), além de sua reforma ser alvo de debates que se estendem há anos devido a divergências sobre as Áreas de Preservação Permanente (APP) e da Reserva Legal (RL). As falhas na governança contribuem para que a ilegalidade permeie toda a cadeia produtiva da madeira nativa, cujo destino principal é o Estado de São Paulo. Junto à mineração e à pecuária, a atividade madeireira é uma das atividades econômicas mais importantes da Amazônia (PEREIRA e LENTINI, 2010) e, dentro do setor florestal, as madeiras serradas tropicais participam com 4,5% da comercialização mundial de produtos florestais (LENTINI, 2008).
Segundo Humel et al. (2010), cerca de 79% da madeira processada na Amazônia Legal foi comercializada internamente em 2009, sendo o Estado de São Paulo o seu maior consumidor, absorvendo 17% da produção cujo destino principal é a construção civil; porém, grande parte da madeira que chega a esse mercado ainda é de origem ilegal ou até mesmo legal, mas não certificada, o que gera pressões sobre determinadas espécies nativas que muitas vezes são comercializadas de forma equivocada. Para Nahuz (2013), a carência de um conhecimento melhor sobre espécies que substituam as mais conhecidas com a mesma eficiência é a principal lacuna na normalização do comércio madeireiro.
O conhecimento do fluxo da madeira tropical auxilia muito no seu processo de legalização, mas, ao mesmo tempo, evidencia algumas lacunas no processo, cujo preenchimento certamente irá contribuir para a normalização do comércio madeireiro para o setor da construção sendo que, uma das principais lacunas detectadas é a falta, no comércio, de madeiras apropriadas para uso no setor, que possam substituir as espécies tradicionais, escassas e de alto preço. Parcerias entre entidades de natureza diversa têm se formado no sentido de disponibilizar ao mercado e aos usuários, madeiras menos conhecidas e, portanto menos utilizadas, mas que podem perfeitamente substituir, individualmente ou em grupos, aquelas espécies tradicionalmente empregadas. (informação verbal).
Outro aspecto importante refere-se à identificação de espécies durante as fiscalizações em estradas e depósitos, que têm colaborado para a diminuição da entrada de madeira ilegal no Estado de São Paulo, principalmente a partir de 2007 quando são intensificadas as ações em vários pontos em estradas do norte ao oeste do Estado (FLORSHEIM, 2012), pois confronta o que está declarado no documento fiscal com a carga efetivamente transportada ou em estoque nos pátios de depósitos, e tem sido o motor no estímulo de um poderoso instrumento para combater a prática na origem: a Certificação.
- A Certificação Florestal e a Certificação da Cadeia de Custódia são processos submetidos à avaliação de terceira parte que certificam a origem de manejo sustentável permitindo seu total rastreamento, sendo ferramentas eficazes no combate às irregularidades na exploração da madeira.
O FSC - Brasil - Conselho Brasileiro de Manejo Florestal e o CERFLOR - Programa Brasileiro de Certificação Florestal são os principais acreditadores desses processos no país, atuando tanto no manejo florestal quanto na cadeia produtiva que utiliza a madeira.
- No sentido de pressionar essa cadeia, do destino à origem, grupos de interesse formados pelo governo, sociedade civil, empresas e comunidade acadêmica têm se mobilizado através de protocolos de cooperação para promover um mercado cada vez mais exigente em relação a produtos de origem certificada, imperativo para o uso responsável deste insumo, em especial na construção civil.
A importância das florestas tropicais:
- As florestas tropicais contêm a maior parte da biodiversidade terrestre do mundo e têm uma variedade de produtos e serviços que contribuem para a subsistência local e do desenvolvimento de cada nação.
São serviços que vão desde a água para abastecimento das cidades à madeira dos móveis e casas, cosméticos e uma infinidade de outros produtos de uso rotineiro que dependem dos ecossistemas florestais (ADEODATO et al., 2011).
- Mesmo as florestas tropicais voltadas à produção de madeira exercem importante papel na manutenção do regime regional de chuvas e do clima global, uma vez que emitem grande volume de água para a atmosfera e representam, na sua totalidade, um significativo estoque de carbono (SFB, 2010).
Em recente relatório elaborado pela FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations) e pela ITTO (International Tropical Timber Organization), denominado The State of Forests in the Amazon Basin, Congo Basin and Southeast Asia (O Estado das Florestas na Bacia Amazônica, Bacia do Congo e Sudeste da Ásia) (FAO e ITTO, 2011), um documento de base para a Cúpula das Três Principais Bacias de Florestas Tropicais (Figura 2.1) e realizada em Brazzaville, República do Congo, entre maio e junho de 2011, constatou-se que a área total de floresta nas três bacias é de mais de 1,3 bilhões de hectares, o que corresponde a um terço da área total de floresta no mundo, sendo que a Bacia Amazônica registrou a maior proporção de florestas primárias, entre outros dados.
- Em se tratando de florestas primárias - onde há ocorrência de espécies nativas sem indícios de atividades humanas e cujos processos ecológicos não foram perturbados - as três bacias incluem a maioria das espécies e ecossistemas terrestres (FAO, 2011), sendo que o Brasil surge em primeiro lugar entre os dez países com a maior área de florestas tropicais do mundo (39%).
Os países que fazem parte da Bacia Amazônica são: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Entre esses países, apenas o Equador possui menos de 50% de área de floresta em relação à área total de seu território sendo que Guiana, Guiana Francesa e Suriname estão entre os que mais têm cobertura florestal na Bacia. Bolívia, Brasil, Colômbia, Peru e Venezuela possuem, individualmente, mais de 50% de áreas de florestas em seus territórios, de acordo com o relatório.
- As florestas brasileiras, distribuídas por seis biomas com características particulares, ocupam cerca de 60% do território brasileiro e desempenham importantes funções sociais, econômicas e ambientais. Ofertam uma variedade de bens, como produtos florestais madeireiros e não madeireiros, e prestam serviços ambientais essenciais, como a conservação dos recursos hídricos, a conservação da biodiversidade, a estabilidade climática, além de possuir valores culturais (SFB, 2010).
A partir dos estudos de mapeamento da vegetação brasileira realizados pelo Ministério do Meio Ambiente e fundamentados em imagens de satélite LANDSAT do ano de 2002, foram feitas estimativas das áreas das florestas naturais para o ano de 2010, com base em taxas de desmatamento observadas para cada bioma (Tabela 2.1) (SFB, 2010).
- O bioma Amazônia representa cerca de 40% de todas as florestas tropicais remanescentes do mundo, e sua importância é reconhecida nacionalmente e internacionalmente. As vegetações que caracterizam o bioma Amazônia são a floresta ombrófila densa e a floresta ombrófila aberta e são encontradas tipologias vegetacionais típicas de savana, campinaranas, formações pioneiras e de refúgio vegetacional (IBGE, 2004). Nas Figuras 2.5 e 2.6, é possível ver o perfil dessas florestas.
A Amazônia abriga vastos estoques de madeira comercial e de carbono, possuindo uma grande variedade de produtos florestais não madeireiros, que sustenta diversas comunidades locais.
O Bioma Amazônia e a Amazônia Legal :
- No Brasil, há dois conceitos de Amazônia: Bioma Amazônia e Amazônia Legal (PEREIRA, et al., 2010). O Bioma Amazônia, caracterizado pela cobertura florestal, compreende os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima e parte dos territórios do Maranhão, Mato Grosso, Rondônia e Tocantins.
A Amazônia Legal, por sua vez, inclui todo o Bioma Amazônia e áreas de cerrado e campos naturais, e abrange todos os Estados do Norte brasileiro (Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), o Mato Grosso e parte do Maranhão.
- Do total da cobertura vegetal da Amazônia Legal, 62,7% são florestas, 22,5% formações não florestais e 14,8% áreas já desmatadas. Estima-se que a produção de madeira da Amazônia Legal em 2009 tenha sido de 14,2 milhões de m³ em toras, dos quais 91% foram produzidos nos Estados do Pará e do Mato Grosso. A receita gerada pelo setor foi de US$ 2,5 bilhões (PEREIRA et al., 2010).
Uma nova pesquisa publicada mostra que as florestas tropicais correm menos risco de perder sua cobertura vegetal como consequência do aquecimento global do que as previsões mais alarmistas mostravam.
Polos madeireiros da Amazônia Legal:
- Nos últimos três séculos, a atividade de exploração de madeiras tropicais brasileiras esteve restrita às florestas de várzea ao longo dos principais rios da região amazônica, sendo que essa exploração era extremamente seletiva e seus impactos eram mínimos.
Entretanto, a abertura da BR010 e da BR230, na década de 1970, fez com que a exploração madeireira ganhasse em quantidade (SILVA et al., 2012). Três fatores contribuíram para esse crescimento do setor madeireiro:
- A construção das estradas possibilitou o acesso a recursos florestais em florestas densas de terra firme ricas em madeiras de valor comercial;
- O custo de aquisição dessa madeira era baixo, pois a extração era realizada sem restrição ambiental e fundiária;
- O esgotamento dos estoques madeireiros no Sul do Brasil, combinado com o crescimento econômico do país, criou uma grande demanda para a madeira amazônica.
Na Amazônia, as empresas madeireiras foram aglomerando-se em centros urbanos que estavam sendo criados ao longo das rodovias, formando os polos madeireiros; esses polos ocorrem em áreas que concentram serviços, infraestrutura (energia, comunicação, saúde e sistemas bancários) e mão de obra disponível (HUMMEL et al., 2010).De acordo com Hummel et al. (2010), o conceito zonas madeireiras foi criado a partir das pesquisas desenvolvidas pelo IMAZON sobre a atividade madeireira e consiste num aglomerado de polos madeireiros com produção significativa para a região ou Estado, seguindo padrões geográficos com as seguintes características em comum:
- Histórico de colonização e tempo (anos) da exploração madeireira;
- Tipos de floresta (terra firme e várzea) e abundância dos recursos florestais disponíveis na região (influenciada diretamente pela proporção de floresta remanescente na região);
- Condições de acesso (terrestre ou fluvial) e os custos de transporte de cada zona. Os custos de transporte são influenciados pela qualidade das estradas e pela distância da zona madeireira em relação aos centros consumidores de madeira.
Pereira et al. (2010) estabeleceram quatro fronteiras madeireiras na Amazônia legal, com base na classificação de zonas madeireiras do estado do Pará feita por Veríssimo et al. (2002). As fronteiras de exploração madeireira são classificadas de acordo com as tipologias florestais, o estágio da ocupação, a idade da fronteira, as condições de acesso e o tipo de transporte.
Em 2009, foram identificadas 2.226 empresas madeireiras em funcionamento na Amazônia Legal que extraíram em torno de 14,2 milhões de metros cúbicos de madeira em tora nativa, resultando na produção de 5,8 milhões de metros cúbicos de madeira processada (SFB e IMAZON, 2010).
- A maioria (72%) dessa produção foi de madeira serrada; 15% foram de madeira beneficiada na forma de portas, janelas, pisos, forros etc.; e apenas 13% foram de painéis laminados e compensados (PEREIRA et al., 2010), gerando aproximadamente 204 mil empregos, dos quais 66 mil empregos diretos (processamento e exploração florestal) e 137 mil empregos indiretos, na própria Amazônia Legal, nos segmentos de transporte de madeira processada, lojas de equipamentos e maquinário para o setor madeireiro (SFB e IMAZON, 2010).
Nota-se que os Estados do Pará e do Mato Grosso respondem por cerca de 70% da atividade madeireira na Amazônia Legal, sendo Sinop, no Mato Grosso e Paragominas no Pará, os principais polos madeireiros, representantes consolidados da antiga fronteira madeireira (mais de 30 anos).
Os principais compradores da madeira comercializada em Santo Antônio do Matupi são provenientes de outras regiões do país.