Em nossa sociedade atual, crê-se que a ciência é estritamente naturalista. Neste sentido, a criação não pode ser científica, porque a criação implica uma inteligência sobrenatural ativa na natureza.
- A importância da divulgação científica para a formação de uma cultura científica na sociedade vem sendo defendida por cientistas, jornalistas, pesquisadores e pelo próprio governo. Recentemente, no Rio de Janeiro, durante o 6º Fórum Mundial de Ciência realizado em novembro de 2013, as lideranças governamentais novamente reafirmaram seus compromissos com a CT&I.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) descreveu as cinco recomendações que foram sugeridas pelo Fórum ao seu término. São eles:
Harmonização de esforços globais e nacionais;
- Educação para reduzir as desigualdades e promover ciência e inovação global e sustentável;
- Conduta responsável e ética da investigação e inovação;
- Melhorar o diálogo com os governos, a sociedade, indústria e mídia sobre questões de sustentabilidade;
- Buscar mecanismos sustentáveis para o financiamento da ciência. (SBPC, 2013)
- Na declaração da América Latina e Caribe para a sexta edição do evento, os países fizeram um acordo, considerando as reuniões anteriormente celebradas e professaram:Estarmos convencidos da necessidade de planejar e implementar estratégias para o desenvolvimento sustentável da região com base na capacidade de gerar, de se apropriar e utilizar o conhecimento científico e tecnológico para inovar.
- Estarmos comprometidos com o aumento significativo das capacidades em ciência, tecnologia e inovação.
- Estarmos comprometidos com projetos de cooperação em ciência, tecnologia e inovação de alcance regional, bem como atividades destinadas a promover a inovação inclusiva e a formação de recursos humanos e a difusão e transferência de boas práticas. [grifo meu]2 (6º FÓRUM MUNDIAL DE CIÊNCIA, 2013:4)
Dentro das ações sugeridas pelo documento, ações de educação e cultura em ciência e tecnologia, ética e acesso ao conhecimento. Numa dessas sugestões, o documento diz que os países pretendem
- Promover atividades regionais de popularização e apropriação social da ciência. Apoiar redes como a Rede Pop, workshops regionais de jornalismo científico, atividades regionais de feiras e clubes de ciência, intercâmbio regional sobre canais especializados em TV digital. (6º FÓRUM MUNDIAL DE CIÊNCIA, 2013:9).
Há uma movimentação para democratizar o conhecimento e agilizar o acesso da ciência à população em geral, por meio de diversas ações. Uma delas é a divulgação científica. Mas, o que é divulgação científica? Antes de refletirmos sobe seu papel na sociedade, é necessário apresentar alguns de seus conceitos de acordo com diferentes autores.
- É de comum entendimento que existem diversos conceitos que tratam da divulgação da ciência, desde a sua restrição quanto ao meio, no caso do jornalismo científico que utiliza a mídia, passando pela alfabetização científica, a popularização da ciência, que abrange a absorção deste conhecimento pelo público, bem como a comunicação pública da ciência, que incorpora conceitos de cultura científica.
Embora se fale muito de popularização da ciência, poucos autores desenvolveram conceitos sobre este processo. Os mais conhecidos são os de Bueno (1984, 1985, 2009, 2010), que defendeu a primeira tese de doutorado em Jornalismo Científico no país em 1985, na Universidade de São Paulo (USP). Ele conceitua algumas destas variantes, estabelecendo diferenças entre os conceitos de ―Comunicação Científica‖, Difusão, Disseminação,
- Divulgação Científica e Jornalismo Científico. Dentro dos conceitos de alfabetização científica, Isaac Epstein (2002) difundiu alguns verbetes ao longo de sua trajetória na pesquisa e os compilou no livro Divulgação Científica 96 verbetes. Caldas (2010) sistematizou e editou alguns desses conhecimentos para verbetes na Enciclopédia INTERCOM de Comunicação da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. No conceito da cultura científica, Vogt (2003) é amplamente citado por conta da espiral da cultura científica.
De forma geral, estes conceitos são bastante variados e definidos pelos diversos autores de modo bastante distinto, sendo que cada definição contempla um ponto de vista diferente. Não é objetivo de esta dissertação discuti-los, mas apresentar alguns deles e seus autores, como forma inicial de introdução à área.
Alfabetização científica:
- A alfabetização científica, entre outras coisas, favorece a distinção entre a ciência e a pseudo-ciência, torna viável uma noção básica das explicações científicas para os fatos, desenvolve o pensamento racional, ajuda o despertar da vocação para a pesquisa científica entre os jovens e favorece o exercício da cidadania. (EPSTEIN, 2002:11)
Oferece elementos mínimos para a compreensão de conhecimentos técnicos e de valores que envolvam a produção científica. (CALDAS, 2010: 75,76)
Conhecimento científico:
- Parte integrante da cidadania plena e do processo de inclusão social, uma vez que possibilite ao indivíduo informações mínimas necessárias para a cidadania ativa e transformadora. (CALDAS, 2010:322).
Comunicação científica:
- Diz respeito à transferência de informações científicas, tecnológicas ou associadas a inovações e que se destinam aos especialistas em determinadas áreas do conhecimento. (BUENO, 2010:2)
Divulgação científica:
- Utilização de recursos, técnicas, processos e produtos (veículos ou canais) para a veiculação de informações científicas, tecnológicas ou associadas a inovações ao público leigo. (BUENO, 2009:162).
E dentro do conceito de divulgação científica, encontra-se a área de Jornalismo científico, que consiste na divulgação da ciência nos meios de comunicação, em seus diferentes formatos e plataformas. Da mesma forma, a Educação Científica pode ser feita pela mídia, mas também nas escolas, nos museus e centros de ciência. Nos últimos anos, porém, os termos mais utilizados abrangem os conceitos de Cultura Científica (VOGT, 2003) e o de Popularização da Ciência.
Cultura científica:
- A cultura científica e tecnológica (CCT) se adquire pela extensão da alfabetização científica e tecnológica. (EPSTEIN, 2002:111)
Conjunto de fatores, eventos e ações do homem nos processos sociais voltados para a produção, a difusão, o ensino e a divulgação do conhecimento científico constitui as condições para o desenvolvimento de um tipo particular de cultura, de ampla generalidade no mundo contemporâneo, a que se pode chamar cultura científica‖ (VOGT, 2003)
Popularização da ciência:
- Popularizar é recriar de alguma maneira o conhecimento científico‖ (SÁNSHEZ MORA, 2003:9).
- Processo de transposição das idéias contidas em textos científicos para os meios de comunicação populares‖ (MULLER, 2002:1).
Ciência, Educação, Cultura e Políticas Públicas
- Segundo Germano e Kulesza (2007), o termo de popularização científica tem ―forte penetração em países latino-americanos e caribenhos‖, e citam a Rede de Popularização da Ciência e Tecnologia, a Redpop, como uma das organizações que ajuda a divulgar o conceito. No Brasil, o termo ―ganha nova força a partir da criação do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia‖, que o adota amplamente, bem como o governo, em editais de popularização da ciência, por sua abrangência:
Também foram importantes as assinaturas de dois decretos, criando a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia e o Sistema Brasileiro de Museus. Iniciativas claramente voltadas para a concretização de ações no campo da popularização da ciência e tecnologia. (GERMANO & KULESZA, 2007:18,19)
- Os autores acima ainda acreditam que o termo ―popularização da ciência e tecnologia‖ foi adotado pela América Latina por conta da participação popular nos movimentos sociais, muito característicos dessa região, como explicam:
(...) popularizar é muito mais do que vulgarizar ou divulgar a ciência. É colocá-la no campo da participação popular e sob o crivo do diálogo com os movimentos sociais. É convertê-la ao serviço e às causas das maiorias e minorias oprimidas numa ação cultural que, referenciada na dimensão reflexiva da comunicação e no diálogo entre diferentes, oriente suas ações respeitando a vida cotidiana e o universo simbólico do outro. (GERMANO & KULESZA, 2007:20)
Germano e Kulesza (2007) ainda acreditam que a conceituação está diretamente ligada à prática, cercada de riscos e apostas. Ou seja, não se trata de conceituar primeiro para depois praticar e sim utilizar o sentido inverso. A popularização científica nasceu antes do seu conceito e por isso que as políticas públicas do setor são tão responsáveis pelos resultados, sejam estes satisfatórios ou não. Ainda é necessário, porém, como profissionais da ciência e da comunicação, respeitar o conhecimento de um e de outro.
- Independente dos conceitos sobre divulgação científica, que variam de acordo com seus autores, a essência, o objetivo comum é um só: o da democratização da ciência, do conhecimento em geral. E algumas ações neste sentido são, dentre elas, promover a educação científica para toda a população por meio do acesso à informação. Essa preocupação vem sendo difundida atualmente pelo próprio governo federal, que incorporou esse objetivo em sua agenda pública e vem ampliando os recursos na área.
Por outro lado, é importante destacar que não basta apenas o acesso à informação, se não se entende seu contexto e significado. Para isso é necessário investimento maciço em educação e cultura. Portanto, baseando-se nos pífios resultados sobre os conhecimentos adquiridos por alunos de Ensino Médio nas áreas da Linguagem, Matemática e Ciências como demonstram os últimos resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), para se democratizar a ciência, é necessário, em primeiro lugar, melhorar e muito a educação no Brasil.A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) preconiza que ―a democratização da ciência coloca três objetivos principais:
- Aumentar o número de seres humanos que se beneficiam de forma direta do progresso das pesquisas de C&T as quais devem dar prioridade às populações afetadas pela pobreza;
- Expandir o acesso à ciência, entendida como um componente central da cultura;
- Exercer controle social sobre a C&T e sobre orientação dada a ela, através de adoção de opções morais e políticas, consensuais e explícitas‖. (UNESCO, 2003:14)
Em um primeiro momento, para aumentar o número de seres humanos que se beneficiariam da C&T, somente com uma política pública bem planejada, organizada e implantada. Para isso, no entanto, é necessário vontade política. A partir daí, é possível pensar no acesso à ciência e à cultura, por meio de outras políticas complementares, para além do ensino formal. O trabalho que a escola realiza não pode, nunca, ser substituído pelos museus de ciência e vice-versa. São coisas distintas, porém complementares.
- Além disso, é importante destacar que os benefícios e riscos da ciência precisam ser debatidos e que a ética precisa andar lado a lado com a ciência, observando que tem sido cada vez mais frequente as denúncias de fraudes na ciência.
Popularizar a ciência não significa considerar apenas as áreas das Ciências Exatas e Biológicas, mas incluir as Ciências Humanas. A Unesco lembra o importante papel político e crítico das Ciências Humanas e Sociais:
―As ciências sociais e humanas têm que desempenhar um papel importante na definição do lugar ocupado pela ciência e de seu impacto na sociedade, particularmente no que tange às consequências globais de transformações científico-tecnológicas e seus vínculos com as questões ambientais, éticas e de desenvolvimento.
Devem ser promovidas ma interação e uma colaboração cada vez mais intensa entre todos os campos da ciência. Trata-se não apenas de analisar os impactos atuais e potenciais da C&T sobre a sociedade, mas também de compreender as influências recíprocas ou, em termos mais precisos, de estudar a ciência, a tecnologia e as interações societárias de forma integrada.
- Além do mais, é imperativo que reconheçamos a natureza universal das atividades e dos conhecimentos de C&T como componentes básicos da herança cultural do mundo‖ (UNESCO, 2003:17)
Portanto, não se trata de tarefa simples popularizar a ciência. Confrontam-se interesses políticos, além de diversidades culturais que precisam ser contempladas. O esforço para a divulgação científica começou há mais de meio século, embora tenha se fortalecido a partir da década de 70. Podemos citar alguns nomes importantes nesse início, caso de José Reis, médico, pesquisador, jornalista e educador que é considerado patrono do Jornalismo Científico, por sua atuação de forma sistemática na área da divulgação desde o final dos anos 40.
- Hoje dá seu nome ao Prêmio José Reis de Divulgação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e tem seu nome reconhecido por todos que atuam na área.A Unesco (2003) também avalia que a popularização da ciência tem um papel predominante na cultura do país:
A busca por atividades de popularização de C&T é um componente central da cultura, da consciência social e da inteligência coletiva. Além do mais, essas atividades devem contribuir para o resgate e para a valorização dos conhecimentos nativos.
O principal objetivo da construção de uma cultura científica transdisciplinar – nas ciências exatas, naturais, humanas e sociais – que o povo de um país possa ver como sua, exige que seja dada prioridade a pesquisas socialmente úteis e culturalmente relevantes. Nesse sentido, é necessário promover a introdução, a compreensão e a valorização da C&T em nossa vida cotidiana, a partir do ensino primário. (UNESCO, 2003: 23,24).
A presidenta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, criticou hoje (27) os cortes no orçamento do governo para as áreas de ciência, tecnologia e inovação (2012).