segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Uma análise e reflexão sobre os principais instrumentos para o desenvolvimento sustentavel

Uma análise e reflexão sobre os principais instrumentos
para o desenvolvimento sustentavel dos arranjos produtivos locais no Brasil

Antonio Iacono
University of São Paulo – EESC-USP – São Paulo – Brasil iacono@sc.usp.br
Marcelo Seido Nagano
University of São Paulo – EESC-USP – São Paulo – Brasil drnagano@usp.br
  • Nos últimos 20 anos, com o fenômeno da globalização, difusão das tecnologias de informação e comunicação, grandes mudanças no mundo têm ocorrido no contexto social, econômico e cultural. No âmbito econômico, o surgimento de aglomerações de empresas localizadas, em especial de pequeno e médio porte, vem ganhando, cada vez mais destaque, oferecendo uma nova proposta de incremento de competitividade e desenvolvimento econômico. 
Neste processo, dois aspectos devem ser destacados: o foco de análise, que até então centrava-se na empresa individual, passa a ser sobre as relações entre as empresas e entre estas e demais instituições dentro de um espaço geograficamente definido (Cassiolato e Lastres, 2003, p.22); e o papel e valorização das MPMEs, que passaram a ser críticos no processo de desenvolvimento econômico
  • No Brasil, nos últimos anos, cresce o interesse pelo estudo das aglomerações produtivas localizadas, comumente chamadas de Arranjos Produtivos Locais (APL), e também aumenta participação do Estado, procurando definir e implementar políticas públicas para sua promoção. Um levantamento dos APLs no país, realizado em 2005 pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), identificou 955 arranjos e uma atuação conjunta de 37 instituições governamentais, não-governamentais, federais e estaduais. 
As abordagens sobre APLs no contexto brasileiro destacam como elementos cruciais para a promoção dos mesmos, os seguintes instrumentos: Política Industrial e Tecnológica, MPMEs, Governança, Cooperação e Inovação. Considerando o número expressivo de APLs identificados, sua relevância estratégica para o desenvolvimento do país, e os estudos ainda recentes sobre o tema na realidade brasileira, este artigo propõe, a partir de uma revisão da literatura e dos estudos empíricos brasileiros, uma análise destes principais instrumentos para o desenvolvimento regional sustentável dos APLs brasileiros. 
  • Este trabalho tem como objetivo inicial a apresentação, no item 2, das principais abordagens sobre aglomerações produtivas localizadas e uma discussão sobre a importância da homogeneização do termo. No item 3, são apresentados os principais instrumentos para o desenvolvimento dos APLs no país e um breve relato sobre como cada um destes vem ocorrendo nas experiências brasileiras. Finaliza-se no item 4, com reflexões sobre a atuação destes instrumentos e suas implicações e relações interdependentes.
As principais abordagens e definições: 
De aglomerações produtivas localizadas:
  • Os elementos teóricos apresentados nas principais abordagens atuais sobre aglomerações produtivas localizadas já eram objeto de estudo no fim do século XIX, e sua principal referência encontra-se nos estudos do economista Alfred Marshall. O autor, em sua obra Princípios de Economia (1982), destaca a importância da concentração industrial, em especial de pequenas empresas, para gerar ganhos de escala e beneficiar-se de economias externas. 
A pesar das vantagens que as aglomerações espaciais apresentavam para o desenvolvimento econômico, é a partir da década de 1970, caracterizada pela crise da produção em massa, que os estudos sobre aglomerações são retomados. A produção em massa, associada a grandes empresas, dá lugar à especialização flexível e gera oportunidades e possibilidades de ganhos de competitividade para pequenas e médias empresas. 
  • Na Europa e nos EUA algumas experiências de sucesso em aglomerações produtivas, como da região da Terceira Itália e a do Vale do Silício, estimularam ainda mais as pesquisas pelo tema. Nas últimas três décadas um “novo paradigma” tem se disseminado por vários países do mundo.
As aglomerações produtivas localizadas podem ser analisadas a partir de cinco abordagens conforme Suzigan (2000) e Schmitz (2000): a Nova Geografia Econômica, com os trabalhos de P. Krugman (1998); Economia de Empresas, destacando a contribuição de M. Porter (1998); uma terceira, chamada de Economia Regional ou Ciência Regional, apresentando várias correntes com destaque para Becattini (1990), Brusco (1990), Pyke e Sengenberger (1992) e A. Scott (1998); a da Economia da Inovação, com ênfase nos trabalhos de D. B. Andretsch (1998), Lundvall (1993), Freeman (1995); Cassiolato e Lastres (1999); e por fim a abordagem Pequenas Empresas e Distritos Industriais, destacando as contribuições de H. Schimitz (1997;1999). 
  • Nas duas primeiras abordagens as aglomerações são tratadas como resultado natural das forças de mercado, e as três últimas apresentam em comum a cooperação entre empresas e uma forte presença do Estado por meio de políticas públicas (SUZIGAN, 2000). Vale ressaltar ainda, que nas abordagens citadas, as pesquisas em sua maioria têm como foco países desenvolvidos, existindo uma pequena literatura, embora crescente, sobre as aglomerações em países em desenvolvimento, como o Brasil. Vários são também os conceitos de aglomeração gerados pelas abordagens. 
Os principais são: distritos industriais; cluster; sistemas nacionais e regionais de inovação; arranjos produtivos locais; sistemas produtivos locais. No Brasil, dentre os estudos sobre aglomerações produtivas localizadas destacam-se os trabalhos realizados pela Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist). Em sua definição ampla de aglomerações produtivas, desenvolveu o conceito de Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (SPILs), como sendo:
"Conjuntos de agentes econômicos, políticos e sociais localizados em um mesmo território, que desenvolvem atividades econômicas correlatas e que apresentam vínculos expressivos de produção, interação, cooperação e aprendizagem. Geralmente incluem empresas – produtoras de serviços finais, fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras de serviços, comercializadoras, clientes, cooperativas, associações e representações etc – e demais organizações voltadas á formação e treinamento de recursos humanos, informação, pesquisa, desenvolvimento e engenharia, promoção e financiamento (LASTRES e CASSIOLATO, 2005, p. 11-12)."
A definição leva consigo a conceituação de sistema, o qual concebe a presença de fortes relacionamentos entre os agentes, de articulação entre eles, diferenciando-se assim do entendimento de arranjos produtivos locais como simples aglomerações de empresas em uma determinada localização geográfica. 
  • O foco nos SPILs está na interdependência, na interação e na cooperação, privilegiando as experiências históricas e culturais; a organização interna das empresas; as características sociais, econômicas e políticas do ambiente local; papel das agências e políticas públicas e privadas; setor financeiro etc. Assim, esforços devem ser feitos no sentido de entender em cada caso o que determina as capacidades de sobreviver e de competir, para saber exatamente o que apoiar (LASTRES e CASSIOLATO, 2003; 2005, p.12).
A caracterização dos sistemas produtivos locais definida pela RedeSist parte do conceito de sistemas de inovação. Um sistema de inovação é um conjunto de instituições que individualmente ou não contribuem para o desenvolvimento e difusão de tecnologias. 
  • Nesse sentido, a interação sistêmica é norteada para o desenvolvimento de práticas que visem o aprendizado contínuo, a criatividade e conseguinte inovação. 
Na esfera governamental, o termo utilizado é APL (Arranjo Produtivo Local) e sua existência é reconhecida a partir da presença de um conjunto de variáveis (MDIC): 
  • Concentração setorial de empreendimentos no território; 
  • Concentração de indivíduos ocupados em atividades produtivas relacionadas com o setor de referência do APL; 
  • Cooperação entre os atores participantes do arranjo (empreendedores e demais participantes), em busca de maior competitividade; 
  • Existência de mecanismos de governança; 
  • Podem incluir de pequenas, médias e grandes empresas. 
A definição utilizada compreende todo aglomerado produtivo de um determinado tipo de produção, localizado em uma certa área geográfica, qualquer que seja a quantidade de empresas e de produção, e a extensão das relações entre as organizações participantes. Dentre as definições apresentadas pela RedeSist e pelo Termo de Referência, notam-se diferenças quanto ao tratamento do termo.
  • Para Noronha e Turchi (2005, p.9), a busca pela homogeneização é de suma importância, pois implica na identificação do objeto de estudo, que necessita de um mesmo tratamento analítico. Uma outra implicação decorrente é a existência de tipos muito variados de arranjos e com características específicas. 
Isso torna necessária uma metodologia para sua identificação e caracterização para melhor direcionar as ações de políticas públicas (SUZIGAN, 2004, p.6).

Política Industrial e Tecnológica:
Principais instrumentos para o desenvolvimento sustentável dos APLs brasileiros

A participação efetiva do Estado no desenvolvimento dos APLs tem sido fundamental para seu sucesso. Segundo Santos, Diniz e Barbosa (2004, p.46-47), dentre as várias funções que o Estado pode ter para a promoção e viabilização dos APLs destacam-se:
  • Prover infra-estrutura que suporte o crescimento desses arranjos; 
  • Apoiar o ensino e treinamento de mão-de-obra; 
  • Apoiar atividades e centros de pesquisa e desenvolvimento; 
  • Financiar investimentos cooperativos para aumento de escala; 
  • Fazer investimentos públicos que gerem externalidades importantes para os APLs; 
  • Ser interlocutor, estruturador e razão de existência e aperfeiçoamento para as entidades representativas dos empresários atuarem como catalisadores da cooperação e do investimento coletivo. 
Fundamentalmente, a política para o desenvolvimento dos APLs é parte da Política Industrial. A Política Industrial pode ser definida como sendo “a criação, a implementação, a coordenação e o controle estratégico de instrumentos destinados a ampliar a capacidade produtiva e comercial da indústria, a fim de garantir condições de concorrência sustentáveis nos mercados interno e externo” (CAMPANÁRIO e SILVA, 2004, p.14). 
  • Vale lembrar que, durante as duas últimas décadas, a política industrial no Brasil não foi prioridade na política econômica. Os esforços nesse período estavam voltados para a estabilização macroeconômica. 
Conquistada esta estabilidade, a Política Industrial e Tecnológica volta então a ocupar espaço na agenda de desenvolvimento do país, e em março de 2004 o governo anuncia as diretrizes da nova Política Industrial e Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), tendo como foco o aumento da eficiência da estrutura produtiva, o aumento da capacidade de inovação e difusão de tecnologias com maior potencial de inserção competitiva no comércio internacional (MDIC). Dentre as linhas de ação da PITCE tem-se o fortalecimento de pequenas e médias empresas via APLs. 
  • Acredita-se que estas empresas de portes menores em APLs possam gerar crescimento econômico. Visando adotar uma metodologia de apoio integrado a Arranjos Produtivos Locais, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) criou o Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais (GTP-APL). Sua atuação baliza-se no Termo de Referência para Política de Apoio ao Desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais (TR), um documento que inclui entre outros, as diretrizes de atuação das diversas instituições do GTP. 
Dentre as principais diretrizes destacam-se as ações para promoção e interação entre os atores locais e entre instituições que atuam nos APLs; as ações de inclusão de empresas ao mercado, à informação, à tecnologia, ao credito e à capacitação; as ações para a sustentabilidade dos arranjos ao longo do tempo; e as ações para estimular a absorção, a geração, a incorporação e a difusão de tecnologias adequadas ao contexto do arranjo (MDIC). 
  • O governo, conforme as diretrizes da PITCE, apóia-se na premissa de que a política pública só terá eficácia se for norteada para a busca de padrões internacionais de competitividade e se estiver fortemente ligada ao aumento da capacidade de inovação das empresas. Nesse sentido, as ações em um APL devem estar voltadas para o aprendizado e inovação, ou seja, o APL deve perseguir o desempenho de aglomerados do tipo inovadores. 
Na avaliação de Cassiolato (2004), no contexto das novas políticas de promoção de arranjos produtivos locais, as ações estratégicas devem ser diferenciadas para diferentes APLs, respeitando suas necessidades específicas. Mecanismos de relação de cooperação empresa-empresa e empresa universidade também precisam ser estimulados. 
  • No que se refere à inovação, o autor chama a atenção para a necessidade de novos mecanismos de inovação tecnológica, pois os existentes são inadequados para o desenvolvimento de APLs. O dinamismo apresentado pelos arranjos produtivos locais, nas diferentes formas de organização, nas qualidades distintivas de cada setor, tem gerado uma grande dificuldade na definição das melhores formas de promoção. 
Deste modo, encontrar mecanismos que consigam definir tais formas de promoção, considerando as especificidades de cada tipo de arranjo, suas relações sociais, políticas e econômicas, passa a ser de fundamental importância para o êxito nas ações públicas. 

Uma análise e reflexão sobre os principais instrumentos
para o desenvolvimento sustentavel dos arranjos produtivos locais no Brasil

Governança:
  • A presença de várias empresas e instituições nos APLs; a complexidade do sistema produtivo e das relações entre os agentes; bem como a multiplicidade de interesses; traz consigo a necessidade de meios de coordenação (governança) das relações existentes no sistema. 
O conceito de governança pode ser definido como:
“o estabelecimento de práticas democráticas locais por meio da intervenção e participação de diferentes categorias de atores – Estado, em seus diferentes níveis, empresas privadas locais, cidadãos e trabalhadores, organizações não governamentais etc. – nos processos de decisão locais”(CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003, p. 42)
Conforme SUZIGAN (2004a), a governança pode apresentar diferentes formas, as quais estão relacionadas a um conjunto de fatores:
  • Número e o tamanho das empresas;
  • Natureza do produto, atividade e tecnologia;
  • Forma de organização da produção;
  • Forma de inserção nos mercados;
  • Grau de desenvolvimento das instituições;
  • Interação das instituições com o setor produtivo; e
  • Contexto sócio-político-cultural, que determina a presença de coesão social, solidariedade, confiança, e a emergência de lideranças locais
Dentre as formas de governança nos arranjos produtivos locais duas se destacam: As hierárquicas e a governança na forma de “redes”. A primeira diz respeito à coordenação por parte de uma grande empresa, a qual governa as relações técnicas e econômicas no arranjo. 
  • A segunda caracteriza-se pela presença de pequenas empresas somente, não havendo líderes coordenando as atividades. Neste caso, as relações entre os agentes são intensas. Um exemplo típico deste tipo de governança é o dos chamados distritos industriais italianos (CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003, p.42-43). 
Os casos empíricos no Brasil apresentam arranjos governados tanto por hierarquias quanto por redes, com produção voltada para o mercado nacional e internacional. Há uma grande variedade de segmentos produtivos e diferentes formas de governança. Existem experiências em APLs com criação de modelos próprios de governança com liderança local e com presença de instituições públicas. 
  • Por outro lado, há casos onde praticamente não há a interação do Estado com o setor produtivo, com forte domínio das empresas de grande porte, em um contexto sócio-cultural-político conflituoso, dificultando assim o estabelecimento de qualquer estrutura de governança. 
Destacam-se também experiências em APLs formados por empresas de tamanhos variados, em contextos sóciocultural-político mais favoráveis, com governança caracterizada pela contratação de um agente coordenador (SUZIGAN, 2004a). 
  • As experiências mostram as fortes relações entre as formas de governança e as especificidades do APL, e também a importância do apoio público e de instituições nas articulações. Embora os estudos empíricos ainda sejam recentes no Brasil, já demonstram a complexidade do tema, tornando assim imperativo um estudo maior das especificidades dos arranjos e dos fatores que influenciam sua governança.
Cooperação:
  • As relações de cooperação entre empresas e entre estas e demais instituições em aglomerados localizados assumem um papel relevante no que tange aos ganhos de escala, aprendizagem, difusão de conhecimentos, capacidade inovativa e competitividade. Fundamentalmente, a cooperação inter empresarial busca atender a certas necessidades que dificilmente seriam satisfeitas com as empresas atuando isoladamente. 
Entre essas, destacam-se a necessidade de combinar competências e utilizar know-how de outras empresas; dividir o ônus para a realização de pesquisas tecnológicas, compartilhando o desenvolvimento e conhecimentos obtidos; oferecer produtos de maior qualidade e linhas mais diversificadas; aumentar a força competitiva de atuação para inserção externa de mercado; fortalecer o poder de compra; compartilhar recursos, principalmente aqueles subtilizados; e dividir riscos e custos para gerar novas oportunidades (AMATO NETO, 2000, p.42).
  • Além da cooperação entre os agentes, os aglomerados são marcados também pela forte presença de elementos de competição. A cooperação nos aglomerados localizados se dá entre empresas que atuam em diferentes fases da cadeia produtiva, enquanto que a competição ocorre entre empresas especializadas na mesma fase da cadeia produtiva. 
A cooperação pode ser multilateral, quando é coordenada por uma instituição representativa de associação coletiva com autonomia decisória, e bilateral, que ocorre normalmente entre duas empresas, com objetivos específicos de solução, não havendo autonomia decisória (SANTOS, DINIZ e BARBOSA, 2004, p.20). Schmitz (2000) classifica as relações de cooperação bilateral e multilateral em horizontal e vertical. 
  • A cooperação bilateral horizontal envolve empresas concorrentes que buscam desenvolver um trabalho específico, enquanto que nas relações de cooperação bilateral vertical, as empresas envolvidas atuam em diferentes fases da cadeia produtiva, porém com objetivos e interesses comuns. Esse tipo de cooperação normalmente ocorre entre empresas inovadoras que fazem desta relação um meio para obter vantagens competitivas. 
Quanto às cooperações multilaterais, a do tipo horizontal compreende empresas concorrentes, cujos projetos são coordenados por organismos públicos e/ou privados; já a cooperação multilateral vertical envolve empresas e instituições pertencentes a cadeias produtivas diferentes, e apresentam fortes relações. Experiências têm mostrado casos em que as relações horizontais não são vistas como fonte de vantagem competitiva. 
  • A falta de identidade cultural entre os empresários e o baixo grau de confiança tem comprometido a trocas de conhecimentos. (ARBEX, CÂMARA e SOUZA, 2005). A cooperação na maioria dos casos tem se reduzido a ações de compras de matérias-primas. 
Segundo Brusco (1992, p.179), os diferentes tipos de cada uma dessas relações precisam ser identificados, pois isso esclareceria as várias hipóteses de como os arranjos podem ser vistos, ou seja, como uma rede de empresas, como um fenômeno de grande divisão de trabalho, ou como uma estrutura informal de cooperação e até mesmo como simples ajuda mutua. 
  • A necessidade de cooperação em suas diferentes formas, acompanhada pela complexidade das interações entre os agentes, concede à governança um papel crucial na coordenação e alinhamento dos múltiplos interesses e objetivos presentes nos arranjos produtivos localizados. 
Vale ressaltar ainda que, nas diferentes formas de cooperação, o elevado grau de confiança entre os agentes é fundamental para sua sustentação. Nesse sentido, as ações de governança devem estar voltadas à promoção de relações de cooperação, apoiada em graus elevados de confiança.

As micros, pequenas e médias empresas no Brasil:
  • A estratégia de desenvolvimento sócio-econômico através de arranjos produtivos locais trouxe às pequenas e médias empresas oportunidades não só do ponto de vista de sobrevivência e desenvolvimento, mas também do ponto de vista inovativo. Essa nova visão coloca essas empresas como verdadeiros potenciais de desenvolvimento sócio-econômico. 
Como aponta La Rovere (2003), as aglomerações de MPMEs, por poderem gerar externalidades positivas e ganhos de eficiência coletiva, surgem como uma saída às limitações comportamentais e organizacionais, principalmente no que se refere às empresas de pequeno porte. Dentre os fatores positivos que as empresas de pequeno porte apresentam, destacam-se a flexibilidade e capacidade de adaptação a mudanças no mercado. 
  • A atenção às empresas de menor porte, como perspectiva de desenvolvimento econômico e social, neste novo contexto de aglomerações produtivas, justifica-se por apresentarem além de vantagens econômicas, grande potencial de geração de renda e de postos de trabalho. Segundo estatísticas do Sebrae (2002) o Brasil apresenta, em números percentuais, a seguinte distribuição do número de empresas e de pessoas ocupadas, por porte.
Verificamos que as MPMs representam 99,7% do total de empresas, e juntas abrangem dois terços (67%) do total de pessoas ocupadas no país. Configuração semelhante apresenta a Itália, país referência em arranjos produtivos localizados, com PMEs representando mais de 99% do total de empresas, e compreendem mais da metade dos postos de trabalho no setor manufatureiro e entre 80-90% da mão-de-obra nos setores de serviços (OECD, 2002). Esses dados revelam o papel importante que as MPMEs exercem no país. 
  • A pesar da relevância sócio-econômica, a taxa de mortalidade das empresas no Brasil constrói uma realidade preocupante. De acordo com as estatísticas do Sebrae (2002), aproximadamente, 50% das empresas encerram suas atividades com até dois anos de existência, 55% com até três e 60% com até quatro anos. Estes altos índices de mortalidade apresentados para os primeiros anos são preocupantes, pois pode comprometer, em muito, qualquer tipo planejamento a médio-longo prazo.
As principais causas apresentadas para o fechamento das empresas são: falhas gerenciais na condução dos negócios; problemas financeiros; falta de crédito bancário; falta de conhecimentos gerenciais; e falta de planejamento empresarial. 
  • Segundo Leone (1999), as condições de atuação das pequenas e médias empresas não são as mesmas das de grande porte, seus problemas são específicos à sua dimensão. Portanto, um enfoque diferente para sua gestão torna-se necessário. 
A autora ainda destaca a heterogeneidade como principal característica das PMEs, e afirma que as mesmas devem ser estudadas a partir de suas especificidades inerentes. Tais especificidades podem ser reunidas em 3 grupos, a saber:
  • Especificidades organizacionais: nessas especificidades destacam-se a pobreza de recursos; o pouco controle sobre seu ambiente externo; fraca especialização; estratégia intuitiva e pouco formalizada; nível de maturidade organizacional muito baixo; planejamento informal; e atitude passiva, reativa em relação ao ambiente;
  • Especificidades decisionais: neste grupo podemos citar em especial a tomada de decisão intuitiva, baseada na experiência do proprietário-dirigente; poder de decisão localizado e centralizado, com horizonte temporal de curto prazo; e inexistência de dados quantitativos para apoio na tomada de decisão;
  • Especificidades individuais: as principais especificidades individuais são a onipotência do proprietário-dirigente; a pouca diferença entre pessoa física e jurídica; perfil do dirigente é pouco voltado para o de administrador-gestionário.
Deste modo, as ações de fomento ao desenvolvimento de APLs devem considerar, além das formas de governança e cooperação, contextos sócio-econômico-cultural; estrutura produtiva; entre outras, as especificidades inerentes às PMEs e os fatores relacionados à sua gestão. 
  • A inserção das PMEs em aglomerados produtivos, a partir de um entendimento claro de suas especificidades e subseqüente criação de mecanismos específicos de apoio e incentivo, é crucial para o desenvolvimento pleno dos APLs.
Inovação:
  • As transformações na economia mundial nas últimas décadas centraram as atividades produtivas no uso do conhecimento, na aprendizagem e na conseqüente capacidade de inovar. Nesse sentido, a dinâmica dos aglomerados deve orientar-se para o desenvolvimento de aglomerados inovadores.
Segundo Suzigan (2004), o novo ambiente competitivo, caracterizado fortemente pela mudança rápida do mercado, torna necessário nos sistemas locais, o desenvolvimento de capacitações e competências específicas para a inovação e conseguinte valorização do produto local. O autor confere à inovação um caráter sistêmico, não devendo ocorrer apenas em produtos e processos, mas no sistema local como um todo, isto é:
  • Na busca por informações sobre características da demanda, tipologia de produtos e outros;
  • Nas formas de organização industrial, que condicionam a divisão do trabalho, as interações e a governança do sistema;
  • Na comercialização, com inserção no mercado interno e externo; e
  • Na rede de instituições locais de apoio, com centros tecnológicos e de formação profissional, associações de classe etc
Mytelka e Farinelli (2005, p. 347-366), apresentam uma tipologia que distingue os arranjos produtivos localizados em termos do seu potencial para transformação de simples aglomerados espaciais em aglomerados inovadores. 
  • Esse potencial está relacionado diretamente a um conjunto de variáveis que inclui os atores envolvidos, suas competências, natureza e intensidade de suas interações, e o grau de mudança no aglomerado ao longo do tempo. 
Os tipos principais de aglomerados são: aglomerados informais; organizados; e inovadores. Os aglomerados informais são constituídos, em geral, por micro e pequenas empresas, com baixa sofisticação tecnológica e capacidade gerencial. 
  • Apresentam também, mão-de-obra de baixa qualificação, infra-estrutura inadequada, ausência de apoio financeiro e poucas inovações. Em relação à coordenação e a cooperação, nesse tipo de aglomerado as relações são fracas, com pouca confiança, muita competição e baixo compartilhamento de informação. 
Os aglomerados informais são prevalecentes em países em desenvolvimento como o Brasil, e o papel do Estado, através de políticas públicas que visem o fornecimento de serviços tecnológicos, treinamento e crédito, tem mostrado ser de fundamental importância para o crescimento desses aglomerados. 
  • Os aglomerados organizados reúnem empresas de pequeno e médio porte, apresentando níveis de competência maiores. Esse tipo caracteriza-se pela cooperação e pelo trabalho em rede entre empresas participantes. As empresas apresentam uma certa flexibilidade de resposta rápida ao mercado, por possuírem capacidade para adaptar tecnologias e desenvolver novos produtos e processos. 
Essa condição proporciona maior competitividade, refletindo em níveis de exportação mais elevados. Porém, esses aglomerados não são organizados suficientemente para apoiar um processo de melhoria contínua, o que limita a geração de inovações significativas. Nos aglomerados organizados, a competição, como nos informais, também é elevada. 
  • A cooperação, embora se apresente com maior intensidade, ainda não é sustentada. Países em desenvolvimento, como o Brasil, compreendem esse tipo de aglomerado. Os aglomerados inovadores são formados geralmente por PMEs e grandes, e caracterizam-se por apresentar alta capacidade de criação e um processo contínuo de inovação ao longo do tempo. A confiança, cooperação e capacidade de inovação apresentam elevado grau.
A mão-de-obra é qualificada e a infra-estrutura é adequada. Os aglomerados inovadores têm forte presença no mercado internacional, com elevados índices de exportação. A presença do Estado e do governo local têm sido de grande importância para o desenvolvimento e coordenação desses aglomerados. 
  • Os países desenvolvidos, em geral, apresentam experiências com aglomerados inovadores. Embora os aglomerados inovadores pareçam distantes da realidade brasileira, não significa que não possam ser desenvolvidos. Experiências em países em desenvolvimento tem revelado que aglomerados do tipo organizado têm apresentado grande potencialidade de transição para o tipo inovador. 
Contudo, Lastres, Arroio e Lemos (2003, p.542) apontam grandes dificuldades em definir e implementar políticas corretas para a promoção dos sistemas inovativos, fazendo-se necessário um maior estudo dos diferentes APLs e das MPMEs no Brasil, procurando identificar as limitações e oportunidades em sua realidade. 
  • Ressaltam ainda, que é fundamental, nesse processo, a implementação de estratégias de inserção na Era do Conhecimento, baseadas no apoio a processos de aprendizado, capacitação e inovação. Além das dificuldades apresentadas acima, vale destacar que no Brasil as inovações se concentram em poucos segmentos e em grande parte por empresas de grande porte, cujos investimentos têm se reduzido à aquisição de máquinas e equipamentos, ou seja, na melhoria do processo industrial e não no desenvolvimento de novos produtos (STAL et al.,2006, p.30).
Considerações finais:
  • Os temas sobre aglomerados produtivos localizados apresentados nesse trabalho mostram a complexidade e a dificuldade no que tange ao tratamento de seus elementos. Embora haja uma gama considerável de estudos e experiências em vários outros países, as similaridades presentes referem-se basicamente à estrutura e agentes envolvidos. 
O contexto sócio-econômico-cultural torna singular cada uma dessas experiências e faz desses estudos empíricos apenas um referencial, e não um modelo transferível para a realidade brasileira. A experiência no Brasil em APLs é relativamente recente e várias questões para sua promoção ainda precisam ser exploradas e tratadas. 
  • Dentre as principais estão as questões de como tornar os arranjos base de desenvolvimento regional; que políticas públicas devem ser adotadas para seus diversos tipos; qual forma mais adequada de governança; como promover a cooperação entre os agentes do sistema; quais os papéis das instituições públicas e privadas nos diversos contextos em que os APLs se inserem; como promover o desenvolvimento das MPMEs e capacitá-las à inovação dentro de uma realidade precária em que se encontram. 
Todas essas questões e outras mais precisam ser investigadas para que suas análises possam alimentar as transformações necessárias.
  • Uma outra questão importante é a distância entre as propostas da PITCE e medidas e o entendimento das mesmas por parte dos micros, pequenos e médios empresários, que são os principais atores do sistema. Essa tímida inserção do Estado na promoção das MPMEs não permite um ambiente favorável para que a governança articule, através dos agentes do APL, formas de cooperação que fomentem o processo de aprendizagem, criação e conseguinte inovação no sistema. 
Vale ainda ressaltar que as MPMEs apresentam-se como os principais atores dos sistemas produtivos locais e paradoxalmente são abandonadas. As dificuldades financeiras; a quase impossibilidade de crédito; a ausência de gestão organizacional eficiente e baixa capacitação gerencial; o uso limitado de tecnologia e de informações tecnológicas; a baixa qualidade dos produtos; e as elevadas taxas de mortalidade, são algumas das limitações de crescimento que fazem parte da realidade das MPMEs brasileiras (LA ROVERE, 2001). 
  • Os instrumentos relacionados neste trabalho, por apresentarem fortes relações e implicações entre si, devem ser tratados como se constituíssem um sistema, ou seja, ao se realizar o estudo de um deles deve-se analisar as implicações sobre os demais, caso contrário, o estudo isolado sem a consideração dos outros temas, precariza a análise do sistema como um todo e sua orientação para um desenvolvimento pleno.
Referências:

AMATO NETO, J. Redes de cooperação produtiva e clusters regionais: oportunidades para as pequenas e médias empresas. São Paulo. Atlas, 2000. 
ARBEX, M. A.; CÂMARA, M. R. G.; SOUZA, L. G. A. Cooperação entre firmas localizadas em arranjos produtivos locais: um estudo nas empresas do vestuário de Londrina (PR). Anais do XII Simpósio de Engenharia de Produção (SIMPEP). São Paulo. UNESP, 2005. 
BRUSCO, S.. Small firms and the provision of real services. In: PYKE, F.; SENGENBERGER, W. Industrial districts and local economic regeneration. International Institute for Labour Studies, Geneva, 1992. 
CAMPANÁRIO, M.A., SILVA, M.M. Fundamentos de uma nova política industrial. In: 
FLEURY, M. T. L.; FLEURY, A. (Org.). Política industrial 1. São Paulo. Publifolha, 2004. CASSIOLATO, J. E. Relatório do Grupo de Trabalho para Arranjos Produtivos Locais. MDIC, 2004. CASSIOLATO, J. E.; 
LASTRES, H. M. M. . O foco em arranjos produtivos locais de micro e pequenas empresas. In: 
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Uma análise e reflexão sobre os principais instrumentos
para o desenvolvimento sustentavel dos arranjos produtivos locais no Brasil

domingo, 30 de outubro de 2016

A poluição do ar e o sistema respiratório

A poluição do ar e o sistema respiratório

Marcos Abdo Arbex; 
Ubiratan de Paula Santos; 
Lourdes Conceição Martins; 
Paulo Hilário Nascimento Saldiva; 
Luiz Alberto Amador Pereira; 
Alfésio Luis Ferreira Braga 
  • Apesar dos efeitos da poluição terem sido descritos desde a antiguidade, somente com o advento da revolução industrial a poluição passou a atingir a população em grandes proporções. A
 rápida urbanização verificada em todo o planeta trouxe um grande aumento no consumo de energia e também de emissões de poluentes provenientes da queima de combustíveis fósseis por fontes fixas, como as indústrias, e por fontes móveis, como os veículos automotores. 
  • Atualmente, aproximadamente 50% da população do planeta vivem em cidades e aglomerados urbanos e estão expostas a níveis progressivamente maiores de poluentes do ar.(1) 
A outra metade, principalmente nos países em desenvolvimento, utiliza combustíveis sólidos derivados de biomassa (madeira, carvão vegetal, esterco animal seco e resíduos agrícolas) e combustíveis líquidos, em menor proporção, como fonte de energia para cocção, aquecimento e iluminação.(1,2)
  • Devido à grande área de contato entre a superfície do sistema respiratório e o meio ambiente, a qualidade do ar interfere diretamente na saúde respiratória. Além disso, uma quantidade significante dos poluentes inalados atinge a circulação sistêmica através dos pulmões e pode causar efeitos deletérios em diversos órgãos e sistemas.(3)
Estimativas globais sugerem que a poluição ambiental externa (outdoors) cause 1,15 milhões de óbitos em todo o mundo (correspondendo a cerca de 2% do total de óbitos) e seja responsável por 8,75 milhões de anos vividos a menos ou com incapacidade,(4) enquanto a poluição no interior dos domicílios cause aproximadamente 2 milhões de óbitos prematuros e 41 milhões de anos vividos a menos ou com incapacidade.(5) 
  • Para o Brasil, a Organização Mundial da Saúde estima que a poluição atmosférica cause cerca de 20 mil óbitos/ano, valor cinco vezes superior ao número de óbitos estimado pelo tabagismo ambiental/passivo, e 10,7 mil óbitos/ano decorrentes da poluição do ar em ambientes internos.(4,5)
Poluição do ar: fontes: 
Sítio de ação e fisiopatologia:
  • O ar poluído é uma mistura de partículas - material particulado (MP) -e gases que são emitidos para a atmosfera principalmente por indústrias, veículos automotivos, termoelétricas, queima de biomassa e de combustíveis fósseis. Os poluentes podem ser classificados em primários e secundários. Os poluentes primários são emitidos diretamente para a atmosfera, e os secundários são resultantes de reações químicas entre os poluentes primários.
Os principais poluentes primários monitorados no Brasil e pelas principais agências ambientais em todo o mundo são óxidos de nitrogênio (NO2 ou NOx), compostos orgânicos voláteis (COVs), monóxido de carbono (CO) e dióxido de enxofre (SO2). Um exemplo de poluente secundário é o ozônio (O3), formado a partir da reação química induzida pela oxidação fotoquímica dos COVs e do NO2 na presença de raios ultravioleta provenientes da luz solar.(6,7)
  • O MP é o poluente mais estudado e pode ter origem primária ou secundaria. O MP varia em número, tamanho, formato, área de superfície e composição química, dependendo do local de sua produção e da fonte emissora. 
Os efeitos deletérios sobre a saúde humana produzidos pelo MP dependem de sua composição química e de seu tamanho. O MP é formado por múltiplos constituintes químicos, incluindo um núcleo de carbono elementar ou orgânico, compostos inorgânicos, como sulfatos e nitratos, metais de transição sob a forma de óxidos, sais solúveis, compostos orgânicos, como hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, e material biológico, como pólen, bactérias, esporos e restos animais. 
  • O MP é classificado de acordo com o seu tamanho em partículas totais em suspensão: partículas com até 30 µm de diâmetro; partículas com diâmetro inferior a 10 µm (MP10 ou fração inalável); partículas com diâmetro inferior a 2,5 µm (MP2,5 ou fina); e partículas com diâmetro menor que 10 nm (MP0,1 ou ultrafina).(6,7)
O Quadro 1 mostra os principais poluentes monitorados pelas agências de proteção ambiental nas áreas urbanas, suas fontes, área de ação no sistema respiratório e efeitos sobre a saúde humana.


Como os poluentes: 
Aéreos afetam o sistema respiratório:
  • Diversos mecanismos têm sido sugeridos para explicar os efeitos adversos dos poluentes aéreos. A explicação mais consistente e mais aceita é a de que altas concentrações de oxidantes e pró-oxidantes contidos nos poluentes ambientais, como MP de diversos tamanhos e composição, e nos gases, como O3 e óxidos de nitrogênio, em contato com o epitélio respiratório, provocam a formação de radicais livres de oxigênio e de nitrogênio que, por sua vez, induzem o estresse oxidativo nas vias aéreas. 
Em outras palavras, um aumento da presença de radicais livres que não foram neutralizados pelas defesas antioxidantes inicia uma resposta inflamatória com a liberação de células e mediadores inflamatórios (citocinas, quimiocinas e moléculas de adesão) que atingem a circulação sistêmica, levando a uma inflamação subclínica com repercussão não somente no sistema respiratório mas também causando efeitos sistêmicos.(6,7)

Período de latência dos efeitos dos poluentes:
  • Os efeitos dos poluentes sobre a saúde pode ser agudos ou crônicos. Os efeitos agudos se manifestam após um curto espaço de tempo entre a exposição e os efeitos (horas ou dias). Os efeitos crônicos são avaliados geralmente em estudos longitudinais com duração de anos ou décadas.(8) O Quadro 2 resume os efeitos agudos e crônicos dos poluentes sobre o sistema respiratório.


Grupos suscetíveis:
Crianças:
  • As crianças apresentam grande suscetibilidade à exposição aos poluentes aéreos. Apresentam maior ventilação minuto devido ao metabolismo basal acelerado e à maior atividade física quando comparados aos adultos, além de permanecerem por mais tempo em ambientes externos. Tomando como base o peso corporal, o volume de ar que passa através das vias respiratórias da criança em repouso é o dobro daquele nos adultos em condições semelhantes. 
A irritação pelos poluentes que produziria uma débil resposta em adultos pode resultar potencialmente em significante obstrução na infância. Adicionalmente, o sistema imunológico ainda não totalmente desenvolvido aumenta a possibilidade de infecções respiratórias.(6,7,9)

Idosos:
  • Os idosos são suscetíveis aos efeitos adversos da exposição aos poluentes atmosféricos por apresentarem um sistema imunológico menos eficiente (imunosenescência), um progressivo declínio na função pulmonar que pode levar a obstrução das vias aéreas e limitação aos exercícios. 
Há redução da complacência da parede torácica e hiperinsuflação pulmonar, provocando um gasto adicional de energia para efetuar os movimentos respiratórios, além de diminuição funcional dos sistemas orgânicos.(10)

Portadores de doenças crônicas pré-existentes
  • O terceiro grupo mais suscetível, independente da idade, é formado pelos portadores de doenças crônicas pré-existentes que atingem, principalmente, os sistemas respiratório (asma, DPOC e fibroses) e circulatório (arritmias, hipertensão e doenças isquêmicas do coração), além de doenças crônicas, como diabetes e doenças do colágeno.(3)
Suscetibilidade genética:
  • A produção de radicais livres e a indução da resposta inflamatória pelos poluentes no sistema respiratório pode ser neutralizada pelas substâncias antioxidantes presentes na camada fluida de revestimento do epitélio respiratório - glutationa S-transferase (GST), superóxido dismutase, catalase, tocoferol, ácido ascórbico e ácido úrico - capazes de conter o estresse oxidativo e que representam a primeira linha de defesa contra os efeitos adversos dos poluentes.(11) 
Entre os elementos antioxidantes presentes no epitélio respiratório, a GST é considerada a mais importante(11) e é representada por três classes principais de enzimas: GSTM1, GSTP1 e GSTT1.(11)
  • Polimorfismos em genes que codificam as enzimas da família GST podem alterar a expressão ou a função das mesmas no tecido pulmonar e resultar em diferentes respostas à inflamação e ao estresse oxidativo e, consequentemente, resultar em uma suscetibilidade maior aos efeitos adversos dos poluentes aéreos.(11) 
Estudos realizados no México mostraram que crianças asmáticas com polimorfismo por deleção dos genes que codificam as enzimas GSTM1 e GSTP1 apresentavam um aumento de suscetibilidade quando expostas ao ozônio, caracterizada por um aumento de biomarcadores de inflamação nasal, decréscimo no pico de fluxo expiratório e aumento da dispneia.(12,13)

Efeitos da poluição do ar na gestação:
  • A exposição a poluentes do ar durante a gestação pode comprometer o desenvolvimento fetal e ser causa de retardo de crescimento intrauterino, prematuridade, baixo peso ao nascer, anomalias congênitas e, nos casos mais graves, óbito intrauterino ou perinatal.(14)
Os mecanismos biológicos dos efeitos dos poluentes aéreos durante a gestação não estão bem esclarecidos. A intensa proliferação celular, a imaturidade fisiológica, o acelerado desenvolvimento de órgãos e as mudanças no metabolismo aumentam a suscetibilidade do feto à inalação dos poluentes aéreos pela mãe, e essa, por sua vez, pode ter seu sistema respiratório comprometido pela ação dos poluentes e, com isso, afetar o transporte de oxigênio e glicose através da placenta.(15) 
  • Adicionalmente, os poluentes podem interferir na coagulabilidade sanguínea materna devido a uma resposta inflamatória consequente ao estresse oxidativo, aumentando a possibilidade de infarto placentário e vilosite crônica.(16)
Em uma meta-análise avaliando estudos publicados entre 1994 e 2003, mostrou-se que um aumento de 10 µg/m3 de MP10 associou-se a um aumento de 5% na mortalidade pós-natal por todas as causas e de 22% na mortalidade por doenças respiratórias.(17) Em um estudo realizado em São Paulo, mostrou-se que aumento de 1 µg/m3 na concentração de MP10 e de 1 ppm de CO associou-se à redução de peso ao nascer de 0,6 g e 12 g, respectivamente.(18) 
  • Em um estudo realizado na Califórnia, EUA, avaliando 81.186 nascimentos, mostrou-se um aumento de risco materno de pré-eclampsia e de prematuridade fetal associado ao aumento nas concentrações de NOx e MP2,5 gerados pelo tráfego.(19)
Efeitos dos poluentes no sistema respiratório:
Efeitos sobre sintomas respiratórios:
  • Estudos epidemiológicos evidenciam que a exposição a poluentes gasosos e MP está associada a maior incidência de sintomas das vias aéreas superiores, como rinorreia, obstrução nasal, tosse, laringoespasmo e disfunção de cordas vocais,(20) e das vias aéreas inferiores, como tosse, dispneia e sibilância, especialmente em crianças.(21) Em adultos, essa exposição está também associada ao aumento de tosse e sibilância tanto em indivíduos com doenças pulmonares crônicas como em indivíduos hígidos.(21)
Efeitos sobre a função pulmonar:
  • A função pulmonar é um marcador importante dos efeitos da poluição do ar na população exposta, sendo um preditor objetivo, quantitativo e precoce de morbidade e de mortalidade cardiorrespiratória. Estudos demonstram os efeitos agudos e crônicos dos poluentes sobre a função pulmonar em crianças, adolescentes, adultos sadios e portadores de doenças respiratórias prévias.(6,7)
Efeitos associados à exposição aguda:
  • Chang et al.(22) avaliaram o efeito de variações na concentração diária de MP10, SO2, CO e NO2 sobre a função pulmonar de 2.919 estudantes com idade entre 12 e 16 anos na cidade de Taipei, Taiwan. O aumento de 1 ppm na concentração do CO associou-se a uma redução de 69,8 mL (IC95%: −115,0 a −24,4) na CVF e de 73,7 mL (IC95%: −118,0 a −29,7) no VEF1 com defasagem de um dia. O aumento de 1 ppb na concentração de SO2 associou-se a uma redução na CVF e no VEF1 de 12,9 mL (IC95%: −20,7 a −5,1) e 11,7 mL (IC95%: −19,3 a −4,2), respectivamente, também com um dia de defasagem. A CVF e o VEF1 apresentaram uma pequena associação negativa e significante com variações na concentração de O3 e MP10 no mesmo dia de exposição.
Em um estudo em Londres, Inglaterra, foram comparados parâmetros de função pulmonar em 60 adultos portadores de asma leve ou moderada em duas ocasiões distintas: após duas horas de caminhada pela Oxford Street, o principal corredor comercial e de tráfego de ônibus movidos a diesel da cidade; e após duas horas de caminhada pelo Hyde Park (parque municipal londrino). As concentrações de MP2,5 e de NO2, respectivamente, eram 3,0 e 6,5 vezes maiores na Oxford Street do que no Hyde Park por ocasião do estudo. Houve uma redução no VEF1 e CVF, respectivamente, de 6,1% (p = 0,04) e de 5,4% (p = 0,001) após a caminhada na Oxford Street em relação àquela realizada no Hyde Park.(23)

Efeitos associados à exposição crônica:
  • Gauderman et al. conduziram um estudo prospectivo acompanhando 1.759 crianças entre 10 e 18 anos de idade em 12 comunidades na Califórnia, EUA, que apresentavam níveis diferentes de NO2, vapor ácido, MP2,5 e carbono elementar. 
As crianças que viviam em áreas com níveis ambientais maiores de MP apresentaram uma diminuição significativa do VEF1 (aproximadamente 100 mL) quando comparadas àquelas que viviam em áreas menos poluídas, após o controle dos fatores de confusão. Os efeitos foram significantes mesmo em crianças não portadoras de asma brônquica. 
  • A proporção de crianças com VEF1 < 80% aos 18 anos era cinco vezes maior nas comunidades mais poluídas do que naquelas menos poluídas (concentrações médias de MP2.5 de 29,0 µg/m3 e 6,0 µg/m3, respectivamente).(24)
Os mesmos autores acompanharam 3.677 indivíduos a partir dos 10 anos de idade até os 18 anos que residiam à distância de 500 m e de 1.500 m de vias com grande tráfego de veículos, investigando sua função pulmonar. Aos 18 anos, os adolescentes que residiam à menor distância dessas vias apresentavam um déficit no VEF1 e no FEF25-75% de 81,0 mL e 127,0 mL/s, respectivamente, em comparação com os que residiam à maior distância.(25)
  • Em um estudo transversal realizado na Alemanha, foram avaliadas 2.593 mulheres com média de idade de 54,5 anos em 7 comunidades. Houve associações significativas e negativas dos níveis de NO2 e de MP10 com VEF1, CVF e relação VEF1/CVF. Um aumento anual de 7,0 µg/m3 de MP10 associou-se a uma redução de 5,0% no VEF1 e de 1,0% na relação VEF1/CVF, e, para um aumento anual de 16,0% de NO2, houve uma redução de 4,0% no VEF1 e de 1,0% na relação VEF1/CVF.(26)
Em um estudo prospectivo na Suíça, foram avaliados 4.742 adultos, entre 18 e 60 anos, em 8 comunidades por 11 anos. Ao longo do período do estudo, houve uma queda média do nível de MP10 de 5,3 µg/m3. Um declínio de 10 µg/m3 na média anual do MP10 associou-se a reduções estatisticamente significativas das taxas anuais de declínio em VEF1 (de 9%), FEF25-75% (de 16%), e relação VEF1/CVF (de 6%).(27)

A poluição do ar e o sistema respiratório

Poluição e asma brônquica:
  • Estudos epidemiológicos e toxicológicos demonstram a associação entre poluição do ar e asma brônquica.(21) Os poluentes aéreos estão associados com o aumento de visitas aos serviços de emergência e de hospitalização por crise aguda de asma, assim como o aumento de sibilos expiratórios, de sintomas respiratórios e do uso de medicação de resgate.(21)
A prevalência da asma brônquica tem aumentado em todo o planeta, particularmente em regiões urbanas densamente industrializadas. Estudos prospectivos sugerem que a exposição aos poluentes aéreos possa levar ao desenvolvimento de novos casos de asma. Um exemplo é o grande aumento da incidência de asma na China após o recente desenvolvimento industrial e, em consequência, o grande aumento da concentração dos poluentes.(28)

Efeitos associados à exposição aguda:
  • Em Atenas, Grécia, pesquisadores avaliaram os efeitos agudos de MP10 e de SO2 sobre os atendimentos de crianças e adolescentes de 0-14 anos em serviços de emergência entre 2001 e 2004. O aumento de 10 µg/m3 nos níveis de MP10 e de SO2 associou-se a aumentos de 2,2% (IC95%: 0,1-5,1) e de 6,0% (IC95%: 0,9-11,3), respectivamente, nos atendimentos por asma.
Em um estudo realizado em Copenhagen, Dinamarca, com crianças e adolescentes até 18 anos entre 2001 e 2008, demonstrou-se um aumento nas hospitalizações por asma devido a aumentos nas concentrações de NOx (OR = 1,11; IC95%: 1,05-1,17), NO2 (OR = 1,10; IC95%: 1,04-1,16), MP10 (OR = 1,07; IC95%: 1,03-1,12) e MP2,5 (OR = 1,09; IC95%: 1,04-1,13).(30)
  • Uma associação entre o aumento do nível de poluentes e internações por asma foi observada em Araraquara, Brasil, cidade localizada no centro da região canavieira do estado de São Paulo. Durante o período de colheita da safra, quando a maior fonte de emissão de poluentes é a queima da palha da cana-de-açúcar, as admissões hospitalares por asma foram 50% maiores do que aquelas no período sem queima (p < 0,001). 
O aumento de 10 µg/m3 de MP com até 30 µm de diâmetro foi associado a um aumento de 11,6% (IC95%: 5,4-17,7) nas internações hospitalares com defasagem de 1 dia em relação à exposição.(31)
  • Um estudo realizado em Rio Branco, Brasil, mostrou que, durante o período de queima de biomassa florestal, paralelamente ao aumento da concentração de MP2,5 medido na cidade, houve um aumento dos atendimentos por asma em crianças menores de 10 anos de idade.(32)
Durante os Jogos Olímpicos de Atlanta, EUA, houve um implemento de medidas para reduzir a poluição urbana. Durante as três semanas dos jogos, o tráfego diminuiu em torno de 22%. Houve uma queda do pico diário dos níveis de O3 (28%), NO2 (7%), CO (19%) e MP10 (16%) em comparação com as três semanas anteriores e posteriores aos jogos. 
  • Naquele período, houve uma redução de 40% das consultas por asma em crianças e um declínio de 11-19% no atendimento por asma em todas as idades em serviços de emergência da cidade.(33) No período dos Jogos Olímpicos de Pequim, houve uma queda nas concentrações de MP2,5 e de O3, respectivamente, de 78,8 µg/m3 para 46,7 µg/m3 e de 65,8 ppb para 61 ppb, assim como um decréscimo de 41,6% no tratamento por asma em serviços de emergência.(34)
Efeitos associados à exposição crônica:
  • Em um estudo prospectivo em 12 comunidades da Califórnia, EUA, com diferentes níveis de concentração de ozônio, foram acompanhados 3.535 escolares, sem história prévia de asma, por 5 anos. Durante o seguimento, 265 crianças desenvolveram asma. 
Nas comunidades que apresentavam altas concentrações de ozônio, o risco das crianças que praticavam três ou mais esportes em desenvolver asma era 3,3 vezes maior (IC95%: 1,9-5,8) em comparação com o risco daquelas que não praticavam esportes. 
  • Nas áreas com baixas concentrações de O3, a quantidade de esportes praticados não se mostrou um fator de risco para o desenvolvimento de asma. O mesmo comportamento foi observado para o tempo de permanência em ambientes externos, que, apenas nas áreas de maior concentração de O3, se mostrou como fator de risco diretamente associado ao desenvolvimento de asma.(35)
Ghering et al. acompanharam os primeiros 8 anos de vida de 3.863 crianças em comunidades do norte, oeste e centro da Holanda. Aos 8 anos, as crianças foram submetidas a testes alérgicos e de hiper-responsividade brônquica. Os níveis de MP2,5 associaram-se a um aumento na incidência, prevalência e sintomas de asma em 28%, 29% e 15%, respectivamente.(36)
  • Em Munique, Alemanha, 2.860 crianças foram acompanhadas do nascimento até os 4 anos de idade, e outras 3.061, até os 6 anos de idade. Os autores categorizaram a distância da moradia em relação a grandes vias de trafego em: menos de 50 m, 50-250 m, 250-1.000 m, e > 1.000 m. 
O estudo mostrou significantes associações inversas entre a distância da moradia até as vias de tráfego e os desfechos analisados. Entre aqueles que moravam a menos de 50 m das vias com grande tráfego, foram observadas as maiores OR para asma (OR = 1,6; IC95%: 1,03 2,37), febre do feno (OR = 1,6; IC95%: 1,1-2,3), e sensibilização alérgica ao pólen (OR = 1,4; IC95%: 1,2-1,6).(37)
  • Um estudo de coorte realizado na Suíça entre 1991 e 2002, no qual foram avaliados 2.725 adultos não fumantes com idades entre 18 e 60 anos, mostrou que aqueles que residiam em localidades mais poluídas apresentavam maiores riscos de desenvolver asma (da ordem de 30% para cada aumento de 1 µg/m3 na concentração de MP10 emitido pelo tráfego).(38)
Poluição e DPOC:
  • Os pacientes portadores de DPOC são particularmente vulneráveis ao estresse adicional em vias respiratórias causado por diferentes agentes agressores. O tabagismo é reconhecido como o mais importante fator para o desenvolvimento da DPOC, principalmente nos países desenvolvidos. Entretanto, nos últimos 10 anos, cresceu o número de estudos que sugerem que há outros fatores de risco além do tabagismo na gênese da DPOC. 
Esses fatores incluem a exposição aos poluentes do ar em ambientes internos e externos, ambientes de trabalhos com poeira e fumaça, história de infecções respiratórias de repetição na infância, assim como história de tuberculose pulmonar, asma crônica, retardo do crescimento intrauterino, alimentação deficiente e baixo nível socioeconômico.(1)
  • A exposição ao ar poluído associa-se ao aumento de morbidade respiratória por DPOC, que inclui aumento de sintomas respiratórios e diminuição da função pulmonar, sendo causa frequente de exacerbações que provocam visitas aos serviços de emergência ou hospitalização.(39) 
A queima de biomassa em ambientes internos é uma causa significante de DPOC em mulheres não fumantes que são expostas a concentrações elevadas de poluentes durante o ato de cozinhar, mormente em áreas rurais dos países em desenvolvimento, e isso contribui de forma importante para o aumento global da doença.(1,2) 
  • Enquanto mulheres com DPOC causado pelo tabagismo apresentam enfisema e metaplasia das células caliciformes mais frequentemente do que aquelas expostas à queima de biomassa, essas últimas apresentam maior espessamento do septo interlobular, maior deposição de pigmentos no parênquima pulmonar, mais fibrose nas paredes das pequenas vias aéreas e maior espessamento da camada íntima da artéria pulmonar.(39)
Efeitos associados a exposição aguda:
  • Em um estudo ecológico realizado em Hong Kong, China, avaliou-se a associação entre poluentes aéreos e admissões por DPOC entre 2000 e 2004. Observaram-se associações significativas entre admissões hospitalares por DPOC e níveis de poluentes. 
O risco relativo (RR) de admissão para aumentos de 10 µg/m3 de SO2, NO2, O3, MP10 e MP2,5 foi de, respectivamente, 1,007; 1,026; 1,040; 1,024; e 1,031. O efeito iniciava-se no mesmo dia da exposição e mantinha-se até o quinto dia, sendo mais acentuado no inverno do que no verão.(40)
  • Um estudo envolvendo 36 cidades americanas entre 1986 e 1999 mostrou que aumento de 5 ppb nos níveis de O3 e de 10 µg/m3 nos de MP10 estava associado a um aumento de, respectivamente, 0,27% (IC95%: 0,1-0,5) e de 1,5% (IC95%: 0,9-2,0) no número de admissões hospitalares por DPOC. O uso de ar condicionado central reduzia os efeitos adversos da poluição do ar.(41)
Um estudo em São Paulo, Brasil, avaliando 1.769 pacientes com idade acima de 40 anos entre 2001 e 2003 mostrou um aumento no número de atendimentos por DPOC em associação a aumentos nas concentrações atmosféricas de MP10 e de SO2. 
  • Variações nas concentrações de MP10 e de SO2 (28,2 µg/m3 e 7,8 µg/m3, respectivamente) foram associadas a um aumento cumulativo em 6 dias de 19% e 16% de consultas por DPOC. Um aumento de 10 µg/m3 na concentração de MP10 associou-se a um aumento de 6,7% no número de atendimentos no dia da exposição.(42)
Efeitos associados à exposição crônica:
  • Schikowski et al. acompanharam 4.757 mulheres entre 54 e 55 anos na Alemanha, utilizando critérios diagnósticos do Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. Houve uma prevalência de 4,5% de DPOC (estágios I-IV). O aumento de 7 µg/m3 na concentração média de MP10 durante 5 anos estava associado a OR de 1,33 (IC95%: 1,03-1,72) no desenvolvimento de DPOC e a um declínio de VEF1 em 5,1% (IC95%: 2,5-7,7). 
Mulheres que moravam a menos de 100 m de vias com grande tráfego apresentavam maior risco de desenvolver DPOC em relação àquelas que moravam a uma distância maior (OR = 1,8; IC95%: 1,1-3,0).(26) Os autores sugerem que a exposição crônica ao MP10 proveniente do tráfego aumenta o risco de desenvolver DPOC e acelera a perda de função pulmonar.
  • Um estudo na Dinamarca acompanhou 57.053 indivíduos entre 1993 e 2004 e mostrou que 1.786 pessoas (3,4%) desenvolveram DPOC. Houve uma associação positiva entre DPOC e exposição aos poluentes gerados pelo tráfego após o controle dos fatores de confusão, tabagismo inclusive. A incidência de DPOC foi associada com a média da concentração de NO2 no período de 35 anos (RR = 1,08; IC95%: 1,02-1,14 para uma variação interquartílica de 5,8 µg/m3).(43)
Uma meta-análise analisando 15 estudos mostrou que indivíduos expostos à queima de biomassa apresentam OR 2,4 vezes maior (IC95%: 1,9-3,3) de desenvolver DPOC em relação a indivíduos não expostos.(44) Uma meta-análise recente, que incluiu 25 estudos, mostrou risco similar (OR = 2,4; IC95%: 1,5-9,9) em mulheres expostas à queima de biomassa em relação aquelas que faziam uso de outro tipo de combustível.(2)
  • Em uma meta-análise, Kurmi et al. mostraram uma associação positiva entre o uso de combustível sólido e DPOC (OR = 2,8; IC95%: 1,8-4,0) e bronquite crônica (OR = 2,3; IC95%: 1,9-2,8) quando comparado ao uso de outros tipos de combustíveis.(45) O risco é similar ao que tem sido mostrado em fumantes que desenvolveram DPOC (OR = 2,5) e maior do que de indivíduos que desenvolveram DPOC devido a tabagismo passivo ou a deficiência de alfa-1 antitripsina. 
Comparando os 1,1 bilhão de fumantes com os 3 bilhões de indivíduos expostos a altas concentrações de poluentes devido à queima de combustíveis sólidos, Kodgule e Salvi questionam se não seria esse o fator de risco mais importante para o desenvolvimento de DPOC.(46)

Poluição e infecção respiratória aguda:
  • A infecção aguda do trato respiratório inferior é a mais importante causa de morte em crianças até 5 anos. Nessa faixa etária, esse tipo de infecção causa 2 milhões de mortes anuais. Metade dessas mortes é atribuída à exposição a poluentes em ambientes internos provenientes da queima de combustíveis sólidos.(46) Uma meta-análise avaliando 24 estudos mostrou que a exposição à queima de biomassa em ambientes internos aumenta o risco de pneumonia em crianças (OR = 1,8; IC95%: 1,5-2,1).(47) 
Em concordância, em uma meta-análise recente avaliando 25 estudos, encontrou-se uma significante e robusta associação entre queima de biomassa em ambientes internos e infecção respiratória aguda em crianças (OR = 3,5; IC95%: 1,9-6,4).(2)

Efeitos associados à exposição aguda:
  • Host et al. avaliaram a associação entre concentrações de MP10 e MP2,5 e hospitalização por infecção respiratória em 6 cidades francesas entre 2000 e 2003. O excesso de RR para hospitalização por infecção respiratória associado a aumentos de 10 µg/m3 na concentração de MP10 e MP2,5 foi de 4,4% (IC95%: 0,9-8,0) e de 2,5% (IC95%: 0,1-4,8), respectivamente. A faixa etária mais suscetível foi a de crianças com idade abaixo de 15 anos.(48)
Belleudi et al. avaliaram os efeitos do MP sobre as internações por pneumonia de indivíduos com mais de 35 anos em cinco hospitais romanos entre 2001 e 2005. Um aumento de 10 µg/m3 na concentração de MP2,5 foi associado a um aumento de 2,8% do número de internações hospitalares por pneumonia, com defasagem de 2 dias.(49)
  • Medina-Ramón et al., em um estudo envolvendo 36 cidades americanas entre 1986 e 1999, mostraram que, durante o período de maior calor, um aumento cumulativo de 2 dias de 5 ppb de O3 estava associado a um aumento de 0,41% (IC95%: 0,26-0,57) no número de internações por pneumonia. De forma similar, um aumento de 10 µg/m3 na concentração de MP10 foi associado a um aumento em internações por pneumonia no mesmo dia da exposição de 0,8% (IC95%: 0,5-1,2).(41)
Efeitos associados à exposição crônica:
  • Neupane et al. conduziram um estudo caso controle no Canadá, entre 2003 e 2005, avaliando a exposição em longo prazo a NO2, MP2,5 e SO2 e o risco de hospitalização por pneumonia em indivíduos maiores de 65 anos de idade. Foram avaliados 365 idosos com pneumonia adquirida na comunidade, confirmada radiologicamente, e 494 indivíduos controles. Os grupos foram comparados tomando como base a exposição individual a NO2, MP2,5 e SO2 no ano prévio. 
A exposição de longo prazo a altos níveis de concentração de NO2 e MP2,5, por ao menos 1 ano, foi significativamente associada à hospitalização por pneumonia adquirida na comunidade.(50)
  • Um estudo de coorte conduzido nos EUA mostrou um aumento no risco de óbitos por pneumonia e influenza em não fumantes da ordem de 20% em associação ao aumento de 10 µg/m³ na concentração de MP2,5.(51)
Poluição e câncer de pulmão:
  • A Organização Mundial da Saúde estima que no ano de 2008 houve 12,7 milhões novos casos de câncer em todo o planeta que ocasionaram 7,6 milhões de óbitos, sendo 1,61 milhões e 1,18 milhões os casos novos e número de óbitos por câncer de pulmão.(52) 
Estudos têm evidenciado os efeitos da exposição a poluentes e o desenvolvimento de câncer de pulmão, atribuídos tanto à ação direta dos cancerígenos presentes na poluição, como à inflamação crônica induzida pelos mesmos.(7,53)
  • Um estudo prospectivo envolvendo 500.000 adultos de 50 estados dos EUA(54) mostrou um aumento de 14% na incidência de câncer de pulmão, associado à elevação em 10 µg/m3 na concentração do MP2,5. Em um estudo realizado em países europeus, atribuiu-se que 5% e 7% dos diversos tipos de câncer de pulmão, respectivamente, em não fumantes e em ex-fumantes são causados pelos efeitos da poluição.(55) Pela análise de diversos estudos de coorte e caso controle, foi sugerido que, em média, a exposição crônica à poluição do ar aumenta de 20-30% o risco de incidência de câncer de pulmão.(7,56)
Poluição do ar e mortalidade:
  • Em uma revisão de estudos realizados em diversos países que avaliaram os efeitos das variações agudas da poluição, foi sugerido que um aumento de 0,4-1,3% no RR de morte está associado à elevação de 10 µg/m3 nos níveis de MP2,5 ou de 20 µg/m3 naqueles de MP10.(57) O maior impacto na mortalidade é em crianças abaixo de 5 anos (RR = 1,6%) e em idosos (RR = 2,0%), para cada elevação de 10 µg/m3 na concentração de MP10.(57)
Os principais estudos sobre os efeitos crônicos na mortalidade realizados nos EUA estimam um aumento entre 6% e 17% na mortalidade cardiopulmonar associado à elevação de 10 µg/m³ de MP2,5.(57)

Efeitos da poluição do ar no exercício:
Poluição do ar e exercícios físicos: 
Riscos e benefícios:
  • Durante a realização de exercícios aeróbicos, o ar inspirado penetra nas vias aéreas, preferencialmente pela boca, sendo maiores o volume minuto e a capacidade de difusão, facilitando a penetração de poluentes.(58) A quantidade de partículas ultrafinas que se deposita no trato respiratório enquanto se realiza exercícios moderados é maior quanto menor for o tamanho das partículas e é cerca de cinco vezes superior quando comparado se está em repouso.(59)
A realização de exercícios próximos a vias de tráfego intenso aumenta os níveis de carboxi-hemoglobina (30 min de corrida pode elevar os níveis dessa ao equivalente ao consumo de 10 cigarros/dia) e reduz o desempenho aeróbio de atletas.(58)
  • As principais recomendações das sociedades de medicina esportiva não incluem a precaução da realização de exercícios em ambientes poluídos, mas a recente declaração da American Heart Association(3) sobre efeitos da poluição recomenda que se evitem exercícios intensos na presença de ar com qualidade insatisfatória.
Em uma revisão recente,(60) que avaliou os efeitos da poluição no desempenho de atletas, concluiu-se que a realização de exercícios físicos em ambientes com elevados níveis de poluentes reduz agudamente a função pulmonar e vascular tanto em indivíduos asmáticos como em sadios e que a realização de exercícios em longo prazo em ambientes poluídos está associada à redução da função pulmonar, podendo induzir disfunção vascular, provavelmente devido a stress oxidativo sistêmico e nas vias aéreas, levando a uma redução do desempenho ao exercício. 
  • De maneira resumida, recomenda-se que indivíduos suscetíveis (portadores de asma, DPOC, cardiopatas, idosos e crianças) evitem a realização de exercícios em dias com qualidade inadequada do ar.
Considerações finais:
A exposição aos poluentes do ar é um fator de risco para os seres humanos desde a gestação:
  • Cabe ao profissional da saúde reconhecer a importância dos efeitos dos poluentes na prática clínica e avaliar adequadamente o perfil de exposição dos pacientes em suas residências, locais de trabalho e regiões onde mora. Se não for possível reduzir a emissão de poluentes em curto ou médio prazo, é perfeitamente possível orientar os pacientes quanto à adoção de medidas preventivas que busquem reduzir os efeitos dos poluentes presentes nos ambientes externos e internos, diminuindo os efeitos adversos relacionados a essa exposição. 
Além disso, deve o médico, quando pertinente, não só ajustar a terapêutica normalmente adotada, adequando-a para momentos quando aumentos nas concentrações dos poluentes aéreos possam agravar doenças pré-existentes, mas também utilizar seus conhecimentos, como cidadão, para a adoção de medidas que levem à redução dos poluentes em ambientes urbanos e rurais.

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