quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Globalização e processo de informalidade

Globalização e processo de informalidade

Maria Cristina Cacciamali 
Professora titular do Departamento de Economia do Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina (PROLAM).
  • O tema da economia informal vem tendo um destaque expressivo na mídia e na literatura especializada neste final de século. Essa denominação, entretanto, pode representar fenômenos muito distintos, como por exemplo: evasão e sonegação fiscais; terceirização; microempresas, comércio de rua ou ambulante; contratação ilegal de trabalhadores assalariados nativos ou migrantes; trabalho temporário; trabalho em domicílio, etc. 
Essa compreensão díspar, contudo, representa um denominador comum no imaginário e na comunicação entre as pessoas: são atividades, trabalhos e rendas realizadas desconsiderando regras expressas em lei ou em procedimentos usuais. Assim, as recorrentes menções a este tema no momento presente refletem as dificuldades que as organizações, os indivíduos e o coletivo social vêm enfrentando para superar, com as regras legais vigentes ou os procedimentos-padrão, as mudanças estruturais econômicas, políticas e sociais em andamento. 
  • Dessa maneira, as diferentes situações criadas pela economia informal, se por um lado respondem a demandas legítimas e encaminham possíveis soluções no âmbito da nova ordem econômica e social, por outro constituem focos de tensões e de desigualdades sociais, pois o vácuo de regras legais ou consensuais, num ambiente intensivo em competitividade, causa maior grau de incerteza. 
O termo setor informal, embora sugira maior rigor, desde a sua origem, também como no caso anterior, vem sendo aplicado na literatura especializada, especialmente latino-americana, de uma maneira abrangente. É empregado, freqüentemente, para representar proprietários e trabalhadores que participam da produção em unidades produtivas micro ou pequenas, onde as relações capital-trabalho não se encontram bem estabelecidas, seja no âmbito da organização do trabalho, como no cumprimento das regras legais (Tokman & Souza, 1976, 1978). 
  • Essa descrição permite múltiplas abordagens e diferentes objetos de estudos (microempresas, ocupações por conta própria, trabalhadores do mercado de trabalho secundário, etc.), embora parte expressiva dos estudos venha enfocando primordialmente as características e a organização de pequenas e microempresas de bens e serviços (Duarte & Cavalcanti, 1980a, 1980b; Souza & Araújo, 1983; FIBGE, 1993). 
Uma parte dos estudos sobre o setor informal, por outro lado, enfoca exclusivamente o fenômeno do assalariamento ilegal, ou seja: empregados que foram contratados à margem das regras laborais vigentes, no caso brasileiro, por exemplo, sem registro na carteira de trabalho, conforme rege a legislação (Merrick, 1976). 
  • Nesse caso, o setor informal, de forma equivocada, como observaremos ao longo deste estudo, passa a ser equivalente a um conceito associado ao mercado de trabalho. A literatura neste campo focaliza então o funcionamento e as características da oferta de trabalho num mercado de compra e venda de serviços de mão-de-obra onde os contratos, além de não serem registrados junto à seguridade social, muitas vezes são mal definidos quanto ao tempo de duração e outros itens constitutivos básicos (funções, horas trabalhadas, remuneração, férias, descanso semanal remunerado, etc.). 
Assim, a percepção da informalidade pode ser apreendida através de distintos marcos teóricos que, em virtude de diferentes propósitos, podem levar a objetos múltiplos de estudo. Isto, entretanto, não pode vir a obscurecer o fato de que parcela expressiva dos trabalhadores mais pobres, em praticamente todos os países do globo, inserem-se numa plêiade de situações que podem ser representadas por meio de diferentes inserções no setor informal. Este fato é o motor que renova o interesse sobre o tema. 
  • Este trabalho encontra-se estruturado em quatro seções. A primeira apresenta a definição e estiliza os principais argumentos teóricos associados ao fenômeno; a segunda desenvolve, segundo nossa ótica, o conceito de “processo de informalidade”; enquanto a terceira analisa as categorias de posição na ocupação que podem ser empregadas para refleti-lo. 
A quarta seção apresenta as determinações do emprego e da renda para as categorias de assalariado sem registro e de trabalhador por conta própria, que estão sendo consideradas neste trabalho como as formas predominantes do “processo de informalidade”. Por fim, tecem-se as considerações finais. 

Origem e abordagens:
  • A Organização Internacional do Trabalho (OIT) lança em 1969 o Programa Mundial de Emprego que contém entre seus principais objetivos, avaliar os efeitos, sobre o emprego e a distribuição da renda, das estratégias de rápido crescimento econômico empreendidas por países retardatários no processo de industrialização. 
O diagnóstico foi que o padrão de crescimento econômico substitutivo de importações, rápido e intensivo em capital, derivava insuficiente oferta de empregos ante a população economicamente ativa. Conseqüentemente, gerava também um expressivo excedente de mão-de-obra que não se manifestava sob a forma de desemprego, em virtude da ausência de mecanismos institucionais como o seguro-desemprego, mas sob a forma de trabalhos realizados em atividades organizadas em pequena escala. 
  • Como corolário visava propor estratégias alternativas de crescimento econômico focalizadas na criação de empregos, menor grau de desigualdade na distribuição da renda e diminuição dos níveis absolutos de pobreza (OIT, 1972). 
O termo “setor informal” origina-se e difunde-se por meio de inúmeros estudos realizados no âmbito desse programa, sendo sua apreensão circunscrita pelo conjunto de características expostas a seguir:
  • Propriedade familiar do empreendimento; 
  • Origem e aporte próprio dos recursos; 
  • Pequena escala de produção; 
  • Facilidade de ingresso; 
  • Uso intensivo do fator trabalho e de tecnologia adaptada; 
  • Aquisição das qualificações profissionais à parte do sistema escolar de ensino; e 
  • Participação em mercados competitivos e não regulamentados pelo Estado (OIT, 1972). 
A essas características, o PREALC (Programa Regional de Emprego para a América Latina e Caribe) acrescenta a particularidade de atividades não organizadas, juridicamente ou em suas relações capital-trabalho (Tokman & Souza, 1976, 1978). 
  • O ponto de partida para delimitar o setor informal, portanto, são as unidades econômicas, orientadas para o mercado, com as distinções acima mencionadas, entre as quais sobressai o fato de o detentor do negócio exercer simultaneamente as funções de patrão e empregado e de não existir separação entre as atividades de gestão e de produção (Cacciamali, 1983: 28). 
Essa definição traduzida em termos operacionais leva à construção de categorias analíticas para apreender unidades produtivas, seus proprietários, trabalhadores familiares e assalariados que exercem seus trabalhos nesse determinado modo de organização. 
  • Além do mais, segundo autores que adotam o enfoque estrutural, a demarcação do setor informal deve dar-se também pelo uso e pelo processo de trabalho nessa forma de produzir, bem como pelas suas relações com o setor formal (Cacciamali, 1983, 1989; Souza, 1980). 
Recortes que mensuram o setor informal a partir da categoria de empregado sem carteira assinada, ou de atividades econômicas selecionadas a priori, ou de empresas que operam com um número pequeno de empregados, ou de trabalhadores que auferem baixos rendimentos vêm recebendo críticas: “... 
  • Estas aproximações, frutos, às vezes, do anseio de mensurar o setor informal e da ausência de informações mais completas nas estatísticas oficiais, podem obscurecer a natureza e o caráter desse conjunto de produtores no processo de desenvolvimento econômico, além de poderem conduzir a interpretações incorretas sobre a qualidade do desenvolvimento econômico em gestação. Isto é, podem levar à conclusão que os baixos níveis de renda se resumam ao Setor Informal, mascarando os baixos salários do Setor Formal” (Cacciamali, 1983: 38). 
Adicionalmente, não observar as diferentes regulamentações sociais, especialmente as laborais, embora seja um corte empírico relevante para propósitos analíticos, segundo alguns autores (Rakowski, 1994), não constitui, de acordo com as recomendações da OIT e com o enfoque adotado por este trabalho, parâmetro suficiente para circunscrever o setor informal ou mesmo o Processo de Informalidade. 
  • Esse aspecto transcende as diferentes formas de organização da produção, pois os atores econômicos, com maior ou menor intensidade, em virtude do grau de moralidade fiscal de cada sociedade, procuram evadir, quando não sonegar os tributos devidos. 
Nesse sentido, a análise dessa questão deve incorporar o estudo da estrutura tributária e de fiscalização dos poderes públicos e suas relações com a sociedade civil. Além do mais, uma análise sob esse prisma não pode desconsiderar as penalidades, o valor das multas e os incentivos existentes, que corrompem a fiscalização. 
  • Soma-se a isso, o fato de que o ambiente social, econômico e político no momento presente, intenso em mudanças e competitividade, impele à reestruturação das regulamentações que, por sua vez, diferem, muitas vezes de forma expressiva, entre países. 
O marco regulatório estende-se para todos os mercados e compreende legislações gerais e específicas, desdobradas entre diferentes níveis de governo. Todos esses elementos, além de dificultar comparações internacionais e intertemporais, restringem o uso das regulamentações para fins analíticos, salvo quando constituem objetos de estudo bem definidos, como por exemplo, o grau de evasão e de sonegação de um determinado imposto, ou a desobediência a uma determinada legislação, num determinado mercado. 
  • Esses estudos, por sua vez, podem ser desenvolvidos de uma maneira mais precisa no campo da economia subterrânea (Cacciamali, 1991). 
A 15ª Conferência de Estatísticos do Trabalho, realizada, em Genebra, em janeiro de 1993, após mais de 20 anos de debates e controvérsias, consagra a vertente metodológica que apreende o setor informal a partir das unidades econômicas, apresentando a seguinte definição: 
“The informal sector is a subset of household enterprises, i.e. unincorporated enterprises owned and operated by households or household members, either individually or in partnership with others. As opposed to corporations or quasi-corporations household enterprises are defined in SNA as production units which are not constituted as legal entities separate from their owner(s) and which do not have a complete set of business accounts, including balance sheets of assets and liabilities. Thus, the type of legal organization of the unit and the type of accounts kept are the first two criteria of the proposed international definition of the informal sector” (OIT, 1993: 26). 
O reconhecimento deste enfoque é ainda ratificado em 1997 em trabalho da OIT onde essa definição ganha maior clareza: 
“...the informal sector has to be defined in terms of characteristics of the production units (enterprises) in which the activities take place, rather in terms of the characteristics of the persons involved or of their jobs. Accordingly, the population employed in the informal sector was defined as comprising all persons, who during a given reference period, were employed in at least one production unit of the informal sector, irrespective of their status of employment and whether it is their main or secondary job. ... Persons exclusively employed in production units outside the informal sector are excluded, no matter how precarious their employment situation may be. Thus the concept of persons employed in the informal sector is not identical with the concept of persons employed in the informal employment relationship” (Hussmans, 1997: 6-7). 
Tecidas essas considerações, o setor informal, definido com base na forma de organização da unidade produtiva, pode ser abordado através de distintos marcos teóricos, gerando interpretações distintas (Souza, 1980; Cacciamali, 1983, 1989); entre as quais destacamos pelo menos duas.
  • A primeira trata a estrutura produtiva de uma maneira dual, na qual o setor informal representa um conjunto de firmas, caracterizadas por uma constituição incipiente, onde se ocupa a maior parte do excedente da oferta de trabalho urbana, com o objetivo de gerar seu emprego e sua renda (Castiglia et al., 1995: 3). 
Seus proprietários, em virtude da escassez de capital, adotam técnicas de produção obsoletas que implicam baixos níveis de produtividade e de remuneração. Proprietários e trabalhadores, muitas vezes, sub-remuneram suas rendas para fazer frente à competição movida por firmas que se encontram estabelecidas em patamar tecnológico ou de capital superior. 
  • A dualidade se estabelece em virtude da existência de um mercado de capitais imperfeito, ao qual as pequenas empresas não têm acesso, o que lhes impede efetivar investimentos numa nova tecnologia. A segmentação se estabelece porque poucas são as empresas que conseguem ultrapassar essas restrições e passar a compor o setor formal. 
Essa dualidade na produção reflete-se no mercado de trabalho gerando também uma estrutura dual, setores primário e secundário (Doeringer & Piore, 1971), o último derivado do segmento de firmas limitadas pelo fator capital. 
  • A resposta da política pública a esse tipo de segmentação, com o fito de eliminá-lo ou minimizar seus efeitos, é remover os obstáculos ao desenvolvimento das micro e pequenas empresas, promovendo, principalmente, o acesso a linhas de crédito, qualificando microempresários, agilizando canais de comercialização, criando regimes especiais fiscais, etc. 
Este primeiro enfoque detém um caráter microeconômico, no qual o traço comum das organizações informais é a escassez de capital, a característica decorrente é o uso de tecnologias obsoletas e a lógica de funcionamento é idêntica à de qualquer firma, objetivando o lucro. 
  • A segunda abordagem retoma os conceitos de mudanças estruturais e de subordinação do setor informal ao processo de acumulação (Gerry, 1978, Moser, 1978, 1984); projetando-o para o processo histórico contemporâneo. O ponto de partida é o processo de acumulação capitalista em nível mundial, seus aspectos espaciais e institucionais, as relações de subordinação que são engendradas e suas especificidades nacionais e locais. 
A partir do conhecimento e interpretação sobre esses contextos, analisam-se seus efeitos sobre as formas de organização da produção, do trabalho assalariado e de outras formas de inserção dos trabalhadores. 
  • Este enfoque parte da análise dos condicionantes internacionais e macroeconômicos para circunscrever, como objeto de estudo, as características e as relações do setor informal, ou um dentre os seus diferentes estratos. 
Admite, além disso, que os atores do setor informal possam não ter como lógica a busca do lucro, mas apenas a sobrevivência de seus proprietários. Este estudo insere-se nesta última abordagem. A partir das mudanças estruturais em andamento e de seus efeitos, irá recortar os conceitos de Processo de Informalidade e de setor informal. 
  • Pressupomos que pelo menos quatro elementos são condicionantes da configuração da estrutura produtiva, dos mercados de trabalho e do setor informal: os processos de reestruturação produtiva;5 a internacionalização e a expansão dos mercados financeiros; o aprofundamento da internacionalização e a maior abertura comercial das economias; e a desregulamentação dos mercados. 
Esses processos criam um ambiente de maior incerteza nos negócios, com menores taxas de crescimento econômico e do emprego que apresentam impactos distintos em mercados de trabalho com características estruturais diferentes.  
  • Assim, a partir de diagnósticos apresentados em informes internacionais,7 entendemos que, nos países industrializados, os processos de mudanças estruturais expressam-se através de maiores taxas de desemprego e de desigualdade salarial, sendo a desigualdade salarial maior onde as taxas de desemprego são menores, como é o caso estadunidense, implicando o aumento dos índices de desigualdade na distribuição da renda. 
Nos países europeus, onde as taxas de desemprego são maiores e a desigualdade salarial é menor, a criação de empregos vem sendo estimulada por meio de novas formas de contrato no mercado de trabalho. 
  • Isto vem sendo implementado com base no diagnóstico de que a criação de empregos estaria sendo limitada pelos custos de transação – de contratação e de dispensa – envolvidos nos contratos de trabalho por tempo indeterminado e em período integral. 
Essas novas formas de contrato redirecionam o trabalho assalariado para empregos em tempo parcial e temporários e, em muitos países, constituem um componente expressivo da criação dos empregos, para jovens e mulheres, desde os anos 80. 
  • No caso dos países em desenvolvimento, acreditamos que, além da insuficiência de informações sistematizadas e padronizadas sobre a estrutura do emprego, a situação difere quanto à absorção (expansão ou retração) de mão de obra no setor secundário da economia, podendo ser observada, entretanto, a preponderância crescente do setor terciário na geração de novos postos de trabalho. 
Os estudos sobre esse setor, por outro lado, são relativamente escassos, o que limita avaliações precisas sobre a magnitude e o evolver dos empregos gerados em setores ou ocupações de alta produtividade com relação àqueles de menor produtividade. 
  • Os governos latino-americanos, neste quadro de mudanças, estão implementando reformas estruturais micro e macroeconômicas, orientadas para a constituição de uma economia mais aberta e competitiva, com o objetivo de readquirir o dinamismo econômico. 
Essas políticas vêm sendo efetivadas com intensidade e velocidade distintas nos diferentes países da região, observando-se um elevado grau de instabilidade nas taxas de crescimento econômico e de criação de empregos (OIT, 1997: 186). 
  • Em termos gerais, observa-se a diminuição relativa do emprego industrial, maior expansão do emprego terciário e ampliação do setor não estruturado (OIT, 1997: 171). Informe da CEPAL confirma esse quadro: “de cada 100 empregos gerados durante 1990/95, 84 correspondem ao setor informal. 
De cerca de 16 milhões de empregos criados na América Latina ... no período 1990/94, cerca de 14,4 milhões corresponderam ao dito setor, que agrupou, assim, 56% do total dos ocupados da região, (incluídos os que trabalham no serviço doméstico). 
  • O setor informal mais dinâmico é das microempresas (52% do crescimento anual para 1990/95), setor que hoje representa 22,5% do emprego total da região, frente a 20,2% em 1990. Os trabalhadores informais por conta própria também aumentaram (44% aa) e representam agora 26,5% do total de ocupados na região, quase dois pontos percentuais a mais que em 1990. 
A ocupação no serviço doméstico aumentou em 3,9% aa, empregando-se aqui 7,1% (em 1996) do total dos ocupados frente aos 6,7% de 1990” (CEPAL, 1997: 65). Esses processos vêm sendo ratificados, especialmente na Europa e na América Latina, com maior ou menor intensidade, pela desregulamentação do mercado de trabalho, através de ações ativas (mudanças das regras) ou passivas (desgaste das regras) por parte dos governos. 
  • Encontra-se em andamento, dessa maneira, uma redefinição nas regras da relação de assalariamento, motivada por estratégias desenvolvidas para enfrentar com maior eficiência um ambiente mais competitivo e para padrões definidos no mercado internacional. Essa reorganização do trabalho orienta-se para o uso flexível – jornada de trabalho, remuneração e função – e intenso do trabalho em escala global; com isto criam-se, recriam-se e ampliam-se relações e formas de trabalho díspares. 
No caso da América Latina renovam-se relações de trabalho sob a égide do binômio qualidade-produtividade que podem resultar em melhores condições de trabalho, treinamento contínuo e benefícios indiretos associados, muitas vezes, a uma maior intensidade do trabalho. 
  • Em paralelo, recria-se o trabalho em domicílio, o trabalho temporário organizado, em maior ou menor escala, através de firmas locadoras de mão-de-obra, algumas delas especializadas por ocupações (construção civil, limpeza, segurança, digitação, enfermeiras, etc.) ou subcontratadas diretamente na montagem de bens, produção de serviços, distribuição de bens através do comércio de rua ou ambulante, etc. 
Essa plêiade de relações de trabalho (criadas ou recriadas) reflete um único fenômeno que está sendo engendrado pela dinâmica empresarial, especialmente das grandes empresas. Soma-se ao quadro anterior a ampliação do trabalho por conta própria, induzido pelos menos por quatro motivos: 
  • Racionamento dos empregos assalariados e ausência de políticas públicas compensatórias; 
  • Oportunidade de ganhos superiores àqueles dos empregos assalariados de média e baixa qualificação; 
  • (Expansão de atividades de serviços; e 
  • Estratégia de sobrevivência implementada pelos indivíduos que apresentam dificuldades de reemprego ou de ingresso no mercado de trabalho, freqüentemente, nessa última situação, poderão exercer trabalhos de baixa produtividade. 
Essa análise aplicada ao caso brasileiro nos leva a apontar que o início dos anos 80 caracterizou-se por um período de recessão econômica, originário da política de ajustamento estrutural implementada pelo governo no âmbito da crise da dívida externa. 
  • Nesse período, o mercado de trabalho urbano conforma-se, principalmente, através da elevação das taxas de desemprego, mas também com a expansão do assalariamento sem registro e do trabalho por conta própria (Cacciamali, 1989). Os anos subseqüentes, com a recuperação da economia, caracterizam-se, por um lado, por um ambiente de altas taxas de inflação e de instabilidade econômica e, por outro, pela transição do regime político e de suas instituições. 
O emprego registrado expande-se, acompanhando o nível da atividade econômica, vindo entretanto seguido da extensão do trabalho por conta própria e da manutenção de um elevado nível de absorção de assalariados sem registro. Essa forma de ajustamento redunda na estagnação da produtividade média do trabalho, liderada pelo setor industrial, entre 1985 e 1990. 
  • Os anos 90, similarmente à década anterior, iniciam-se com a retração na taxa de crescimento do produto induzida por programa econômico – Plano Collor – com os objetivos de: estabilizar os preços; e iniciar um conjunto de mudanças estruturais com vistas a tornar a economia mais competitiva, através da diminuição das tarifas alfandegárias, iniciada a partir de 1989. O primeiro objetivo não foi alcançado; o segundo foi bem-sucedido e foi mantido nos Planos seguintes. A recuperação da economia inicia-se em 1993. 
As altas taxas de inflação, no ano seguinte, com a implementação do Plano Real, são contidas e mantidas num patamar baixo. Enceta-se um processo de ajustamento nos preços, com a manutenção de taxas de crescimento econômico positivas, mas insuficientes para gerar uma expansão significativa nos níveis de emprego. 
  • As taxas de desemprego se ampliam e o emprego, neste período, reage a um contexto de abertura da economia, de reestruturação produtiva e de diminuição do emprego industrial. A diminuição das tarifas e a sobrevalorização cambial mudam os preços relativos a favor de bens importados, implicam perda de lucratividade do setor industrial e levam à sua reorganização – desemprego, mudanças na tecnologia e organização do trabalho. 
Essa dinâmica leva à recomposição das atividades produtivas, do emprego e do total das ocupações. A ocupação evolui a partir de então com base na expansão do setor terciário, especialmente em micro e pequenas empresas (Cacciamali & Pires, 1997), trabalhos por conta própria e por meio do assalariamento sem registro. 
  • O emprego industrial, no total das áreas metropolitanas, entre 1989 e 1999, perde cerca de 8,4 pontos percentuais; o emprego assalariado registrado diminui em 13,5 pontos percentuais, enquanto a taxa de desemprego aberto se amplia em 4,6 pontos percentuais; a participação dos assalariados não registrados e aquela dos trabalhadores por conta própria aumentam em 7,7 e 6,2 pontos percentuais, respectivamente. 
As taxas de crescimento nas rendas do trabalho mostram-se favoráveis aos trabalhadores por conta própria e aos assalariados sem registro e encontram-se associadas a inúmeros fatores, entre os quais destacamos:
(I) a sobrevalorização cambial altera os preços relativos a favor dos bens importados e aumenta a renda real, favorecendo a demanda dos bens não comercializáveis, influenciando de forma positiva a renda dos trabalhadores por conta própria e dos assalariados sem registro do setor de serviços, especialmente até 1997;
(II) além disso, o crescimento econômico do período implica expansão da demanda por serviços, reforçando o efeito anterior;
(III) a sobrevalorização, por outro lado, leva à perda de lucratividade no setor industrial, corroborando a contenção dos salários nesse setor composto, principalmente, por assalariados com registro; e
(iv) o aumento do desemprego e a diminuição da influência dos sindicatos diminuem relativamente os ganhos dos assalariados registrados em geral. 

Globalização e processo de informalidade

Processo de informalidade e mercado de trabalho:
  • O termo informal, no quadro de referência anterior, reporta-se, ao invés de um objeto de estudo, à análise de um processo de mudanças estruturais em andamento na sociedade e na economia que incide na redefinição das relações de produção, das formas de inserção dos trabalhadores na produção, dos processos de trabalho e de instituições – denominado neste trabalho de Processo de Informalidade. 
Decorrem desse processo, pelo menos dois fenômenos principais, associados ao mercado de trabalho, a serem objetos de estudo. O primeiro diz respeito à reorganização do trabalho assalariado, ao evolver das relações de trabalho criadas, ampliadas ou recriadas nesse âmbito. 
  • Ou seja, refere-se à reformatação das relações de trabalho nas formas de organização da produção e do mercado de trabalho do setor formal da economia em territórios e espaços que devem ser selecionados e especificados. 
Essas relações freqüentemente são apreendidas através de categorias analíticas que expressam formas de trabalho assalariado não registrado junto aos órgãos da seguridade social, mas também podem revelar contratações (legais ou consensuais) sob outros modos, como cooperativas de trabalho, empreiteiras de mão-de-obra, agências de trabalho temporário, locadoras de mão-de-obra, prestação de serviços temporários dissimulada sob a forma de trabalho autônomo, etc. 
  • Esses contratos não se inserem numa única forma de organização da produção ou do trabalho, pois interpenetram a totalidade do espaço produtivo de bens e serviços. Apresentam, entretanto, uma característica comum: sua vulnerabilidade, ou seja, a insegurança da relação de trabalho e na percepção da renda; a ausência muitas vezes de qualquer regulamentação laboral e de proteção social, especialmente contra demissões e acidentes de trabalho; o uso flexível do trabalho (horas e múltiplas funções); e freqüentemente menores salários, principalmente para os menos qualificados. 
O segundo fenômeno é o auto-emprego e outras estratégias de sobrevivência empreendidas pelas pessoas que, por apresentarem dificuldades de reemprego, ou de ingresso no mercado de trabalho, ou por opção, auferem renda através de formas de trabalho por conta própria ou em microempresas. Esses grupos em geral na América Latina inserem-se em ocupações de baixa produtividade. 
  • Esse segundo fenômeno deve ser analisado a partir do espaço econômico passível de ser explorado por esses trabalhos, ou seja, pelo espaço econômico não ocupado por empresas capitalistas, e pelas características apontadas na seção anterior, que definem a categoria analítica denominada de setor informal (Cacciamali, 1983). 
Relembramos que, entre as características que definem o setor informal, destaca-se o elemento fundante de serem formas de organização da produção que não se baseiam em mão-de-obra assalariada para seu funcionamento (Cacciamali, 1983, 1989; Souza, 1980). 
  • Assim, no momento contemporâneo, tendo em vista as transformações estruturais na produção e nas instituições que estão se manifestando no âmbito global, nas regiões e localidades, o Processo de Informalidade deve ser associado às diferentes formas de inserção do trabalho que se originam dos processos de reformatação das economias mundial, nacionais e locais. 
Essas formas, sejam elas novas, recriadas ou ampliadas, devem ser tipificadas, de tal forma a constituírem em si mesmas categorias de análise, embora o exame sobre seu comportamento e evolução deva ser sempre referenciado ao processo de desenvolvimento econômico, social e político em andamento. 
  • É nesse sentido que, no contorno do Processo de Informalidade, podem ser apreendidas tanto inserções relacionadas a determinadas formas de organização da produção, o trabalho por conta própria e a microempresa, por exemplo, como podem ser captadas diferentes formas de assalariamento ilegal. 
Distintos grupos de trabalhadores permitem a construção de categorias de análise a partir da combinação de características derivadas pela observação do fenômeno em si, entretanto, conforme observado anteriormente, a análise de sua evolução, comportamento e níveis de renda somente pode ser apropriada por meio de suas relações com a dinâmica do processo de desenvolvimento em andamento. 

Processo de informalidade e categorias do mercado de trabalho:
  • As categorias de situação ocupacional – assalariado com registro e sem registro; conta própria; empregador; serviço doméstico; e sem remuneração – que constam usualmente nos sistemas de informação sobre o mercado de trabalho, bem como outras categorias que podem ser construídas a partir da desagregação de grupos de ocupados que não contribuem para a seguridade social permitem assimilar as macro-mudanças em andamento na estrutura do emprego e do rendimento no mercado de trabalho. Entretanto, os sistemas estatísticos apresentam em geral pelo menos três insuficiências. 
A primeira refere-se à necessidade da geração de dados primários, informações e análises sobre o processo de reestruturação em andamento nos diferentes setores de atividade que contemplem as relações de trabalho, os contratos de trabalho, legais e ilegais, alternativos. Isto permitirá avaliar a relevância quantitativa e qualitativa da fragmentação do trabalho assalariado através dos múltiplos mecanismos de subcontratação ou de prestação de serviços. 
  • A segunda diz respeito à necessidade de examinar as classificações de ocupação e de introduzir ou reformular, caso necessário, outras denominações que expressem novos ou recriados conteúdos e funções. Por fim, a terceira está associada à desagregação da categoria por conta própria. 
Isto porque, no momento presente, ela acaba por apreender ocupações e indivíduos com formas díspares de inserção, de visibilidade e de legalidade no exercício das ocupações, tais como: profissionais liberais que trabalham em firmas (em rede ou independente), prestadores de serviços que atuam como trabalhadores assalariados temporários; proprietários de negócios no comércio e no setor de serviços (em rede ou independente); comerciantes e trabalhadores de rua; prestadores autônomos de serviços; ajudantes-assalariados de diferentes tipos de conta própria, etc. 
  • Com base no quadro de referência traçado nas seções anteriores e a partir da disponibilidade de dados procedentes dos sistemas de informação, recortados pelas categorias existentes, o Processo de Informalidade pode ser apreendido, através de suas relações e contrastes com o setor formal, analisando-se a evolução de cada uma das seguintes categorias: o conjunto de indivíduos assalariados que foram contratados à margem da legislação laboral ou da seguridade social; o conjunto de trabalhadores por conta própria e de empregadores que não exercem profissões liberais e que não dependem de mão-de-obra assalariada para o desempenho do seu trabalho; o trabalho sem remuneração; e o serviço doméstico. 
Adicionalmente, os sistemas de informação oficiais do Brasil (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – da Fundação IBGE e Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED – da Fundação SEADE) permitem desagregar do total de ocupados nas categorias de empregador e de assalariado com ou sem registro aqueles que trabalham em estabelecimentos com até cinco indivíduos. 
  • Tomando-se as cautelas necessárias, pois empresas com poucos empregados, devido às transformações tecnológicas em andamento, podem ter características organizacionais do setor formal, torna-se possível captar de forma aproximada os empresários e trabalhadores ocupados em microempresas do setor informal. 
Agregando a esse grupo os trabalhadores sem remuneração e por conta própria, pode-se estimar o setor informal conceituado, conforme apresentado nas seções anteriores deste estudo, referido a uma forma específica de organização da produção. 

As determinações do emprego e da renda:
  • O Processo de Informalidade pode ser representado e acompanhado por duas categorias de trabalhadores que são predominantes no processo: os assalariados sem registro e os trabalhadores por conta própria. Destacamos que os seus níveis de emprego e de renda são determinados por mecanismos distintos. 
Dessa maneira, a análise dessas categorias, bem como de sua evolução, não pode ser efetuada de forma agregada. A maior parte dos assalariados sem registro tem como característica comum o fato de ter sido contratada à margem da regulamentação do mercado de trabalho, à margem das regras dos contratos por tempo indeterminado e em tempo integral e da organização sindical. Todo cidadão brasileiro, ou estrangeiro com residência no país, fundamentado na Constituição Federal de 1988, independentemente de contribuir para a seguridade social, conta com a proteção dos serviços de saúde pública e com a aposentadoria mínima. 
  • Esses direitos sociais não incentivam o trabalhador, especialmente aquele que aufere salário próximo do mínimo, a desejar ou exigir um contrato legal de trabalho, principalmente quando jovem. Esse trabalhador, entretanto, não dispõe de nenhuma garantia de renda no caso de acidente ou de problema de saúde decorrentes do trabalho, bem como não recebe, salvo acordo com a empresa ou patrão, as compensações de renda referentes à dispensa involuntária (aviso prévio, proporcional de férias, proporcional da gratificação de Natal, recebimento de PIS/PASEP e FGTS) e em geral não recebe remuneração correspondente às horas extras. Além disso, por não estar sindicalizado, não tem acesso às resoluções dos acordos coletivos e não pode ingressar no sistema do seguro-desemprego. 
A determinação do emprego e da renda para os assalariados sem registro acontece no contexto do mercado de trabalho; a demanda por trabalho sem registro perpassa todo o espectro das firmas, embora os contratos ilegais sejam predominantes naquelas menores ou no trabalho por conta própria – quando esses contratam ajudantes. Há evidências de que nos grandes centros urbanos esta categoria é composta por trabalhadores jovens, mais velhos e mulheres (Cacciamali, 1996, 1999). 
  • No caso da categoria trabalhadores por conta própria, ou formas análogas, como muitos microempresários, desejamos apontar que eles estão criando uma ocupação no mercado de bens, principalmente na prestação de serviços, com o objetivo de se auto-empregar. O que caracteriza esse grupo, especialmente aqueles que operam com baixo nível de produtividade com relação às empresas capitalistas, é que compreende indivíduos com pouco nível de capital físico ou humano, que são simultaneamente patrões e empregados de si mesmos. 
Trabalham diretamente na produção ou na prestação de um serviço e podem engajar familiares ou ajudantes-assalariados nesse processo como extensão de seu próprio trabalho, ou seja, prescindem de mão-de-obra assalariada permanente para seu funcionamento. A lógica de sua atuação no mercado prende-se à sobrevivência, à obtenção de um montante de renda que lhes permita sua reprodução e de sua família, não tendo como meta explícita a acumulação ou a obtenção de uma rentabilidade de mercado, inclusive porque não possuem nem capitalização nem organização do trabalho que lhes dêem sustentação para tais fins. 
  • São trabalhos e atividades que ocupam interstícios nos mercados de bens e que se moldam e se transformam ao toque das mudanças provocadas no tecido produtivo pela expansão das firmas capitalistas, pelas mudanças da estrutura de oferta, ou pelo nível e composição da demanda (Cacciamali, 1983). 
Este tipo de inserção deriva da escassez de empregos aderentes às características da força de trabalho, em especial seu capital humano, e pode constituir-se, em determinadas situações, uma alternativa à miséria. É uma forma de trabalho que se estende através de indivíduos motivados por dificuldades de reemprego, ou de ingresso no mercado de trabalho, ou que se encontram inativos em famílias com renda familiar baixa, podem ser aposentados que auferem pensões insuficientes, ou até podem ser indivíduos que optaram por essa forma de inserção diante das dificuldades de se adaptarem em trabalhos assalariados. 
  • Essas características e forma de inserção não levam, entretanto, a que os trabalhadores por conta própria, inclusive em trabalhos com baixa produtividade, não possam auferir níveis de renda superiores aos recebidos por parcelas de assalariados, com registro e sem registro, que possuam características pessoais similares (idade, sexo, escolaridade, etc.). 
Além das diferenças de renda, provocadas pelos desempenhos e características dos diferentes ramos de atividade, não se deve deixar de observar conjuntos de trabalhadores por conta própria de baixa renda que, em virtude de suas habilidades e do mercado do qual participam (clientela e seu nível de renda), apropriam-se de rendimentos maiores do que se estivessem na condição de empregados. 
  • Essa afirmação é tanto mais válida quanto mais refletir a situação de trabalhadores mais velhos, com menor nível de escolaridade e pouca experiência profissional no mercado de trabalho, mas com habilidade ou experiência adquirida através da prática de ocupações por conta própria ou formas análogas. A recuperação dos salários e das rendas médias depende fundamentalmente do desempenho do nível de atividade e de produtividade média da economia. 
A determinação dos salários envolve componentes institucionais (práticas de recursos humanos, intervenção do governo, barganha salarial, organização sindical, etc.), enquanto a renda dos trabalhadores por conta própria depende essencialmente de sua ocupação e da renda de sua clientela, constituída fortemente por assalariados. 
  • Dessa maneira, o nível de atividade, o emprego e os ganhos dos trabalhadores por conta própria (e formas análogas) dependem especialmente da massa de salários procedente dos empregados com registro e sem registro. 
Entendemos, portanto, que a demanda pelo trabalho por conta própria está associada, e é desenhada, principalmente, pela demanda por serviços, que se estende através da expansão do nível de renda, tendo um comportamento pró-cíclico. Por outro lado, a renda média dos trabalhadores por conta própria dependerá da demanda por serviços e da oferta de trabalho para esses serviços. 
  • Dessa maneira, em períodos de expansão do nível de atividade, com aumento do nível de renda e da massa salarial, a demanda pelo trabalho por conta própria aumenta e a renda média dos trabalhadores tende a ser maior, caso a oferta de trabalho para as atividades demandadas não aumente na mesma proporção. 
Em períodos de retração, ocorre o fenômeno contrário (diminui a demanda e a renda média), sendo que a queda no nível da renda média pode ser agravada, nesse momento, pelo aumento na oferta de prestadores de serviços, decorrente de maior desemprego do setor formal. 
  • Acreditamos, entretanto, que determinadas atividades e ocupações por conta própria, assim como em atividades do setor formal, por apresentarem barreiras à entrada ou por representarem demandas por bens essenciais ou consuetudinários (habilidades específicas; ponto comercial; atividades associadas à segurança, etc.) podem perder menos em termos de renda média durante períodos recessivos. 
Ademais, nesses períodos de austeridade, determinadas atividades informais podem capturar mercados, substituindo bens que eram ofertados por empresas capitalistas (babás substituindo creches; mecânicos substituindo serviços de concessionárias, etc.), o que pode prover uma sobrevida ao produtor informal, mas que não lhe garante renda futura. 
  • Com relação à expansão do nível de emprego dos trabalhadores por conta própria, destacamos que informações procedentes da Pesquisa Mensal de Emprego da FIBGE indicam expressiva correlação positiva entre a massa de salários derivada dos empregados registrados e não registrados e o aumento no número de ocupados por conta própria, para a Área Metropolitana de São Paulo, entre os períodos 1982/90 e 1991/97, especialmente nesta década, o que constitui uma indicação do incentivo à prestação de serviços através do trabalho por conta própria, em virtude da expansão do nível de renda da economia.
Considerações finais:
  • A apreensão das diferentes formas de participação na produção e a análise das condições concretas do uso da força de trabalho são de fundamental importância para avaliar as circunstâncias da reprodução da população, da definição e do evolver da cidadania. 
O fato de significativa parcela dos trabalhadores pobres inserir-se em formas de trabalho informais – assalariados sem registro, conta própria (e formas análogas), sem remuneração e serviço doméstico – revitaliza as discussões sobre esse tema. 
  • A expansão da ocupação através do setor informal – microempresas e trabalhadores por conta própria – por si só não constitui uma solução para a escassez de empregos. Relembramos que o número de pessoas, as condições de trabalho e a renda no setor informal encontram-se condicionados pelo desenvolvimento e fortalecimento das firmas capitalistas, pelos empregos ali gerados e pelos níveis de salários decorrentes.
Uma expansão capitalista com qualidade requer a presença do poder público desempenhando pelo menos dois papéis:
(I) promotor do crescimento econômico, ou seja, que pratique políticas econômicas que conduzam ao crescimento; e
(II) regulador dos mercados e de outras funções sociais, com os objetivos de impor padrões que impeçam a espoliação dos bens comuns e privados e de prover a distribuição da riqueza e da renda geradas.
É nesse sentido que se afirma que as condições sob as quais se realiza a reprodução da população, independentemente das formas de inserção no trabalho, formal ou informal, expressam perfis distintos em virtude do padrão de desenvolvimento capitalista de uma dada sociedade, no espaço e nas localidades. 
  • O contexto da globalização, se, por um lado, encerra elementos que limitam a ação do Estado Nacional por exemplo, no momento presente, no caso da seleção e implementação de uma determinada política econômica, por outro lado, requer sua ação ativa, nos moldes citados anteriormente. O objetivo nesse caso é filtrar determinados efeitos provocados pela maior exposição ao exterior e pela maior integração das economias. 
Alguns desses efeitos podem ser perversos, por exemplo, associados à perda da identidade cultural; outros podem ser muito rápidos, como a destruição de determinados segmentos empresariais e ramos de atividade domésticos intensivos em mão-de-obra que não dispuseram da oportunidade de se reestruturar em patamares tecnológico e de produtividade superiores; e outros podem ser positivos, como maior competição nos mercados e aumento nos níveis de produtividade. 
  • O Estado Nacional, dessa forma, se mantém como palco de disputas e de conflitos com relação aos interesses e representações de diferentes grupos sociais, sendo um ator primordial na configuração da inserção internacional e do padrão de crescimento econômico implementado, bem como dos resultados sociais e da distribuição de renda. 
As políticas econômica e social de curto e longo prazos, por compreenderem elementos estruturantes, devem voltar-se para as múltiplas dimensões do Processo de Informalidade. No que se refere ao assalariamento sem registro, destacamos que a regulamentação no uso do trabalho tem influência direta não apenas no perfil de longo prazo da distribuição de renda, mas também no quotidiano, na vida familiar e no padrão psicológico dos indivíduos, além de constituir um componente importante da cidadania. 
  • O elevado número de contratações ilegais observadas no Brasil nesta década e a expansão de formas de contratação que implícita ou explicitamente burlam a legislação laboral têm efeitos, não apenas sobre o uso indiscriminado do trabalho, mas sobre a cidadania, pois os assalariados sem registro, por um lado não têm acesso a um conjunto de garantias sociais e por outro não compõem um corpo coletivo. Não têm direitos, nem obrigações. 
Soma-se a isso o fato de que essas contratações sonegam receitas ao Estado, restringindo o fundo público da seguridade social, além de limitar a implementação de outras políticas sociais. Regras para as relações de assalariamento devem ser recriadas e implementadas sob a coordenação do Estado, bem como sua fiscalização e a determinação de penalidades efetivamente aplicadas em caso de burla. 
  • Quanto à outra face do Processo de Informalidade, o setor informal, a compreensão das determinações e da dinâmica do trabalho por conta própria e dos pequenos negócios que não operam com assalariados, é tema de relevância para a formulação de políticas públicas. O crescimento econômico, embora favoreça as condições de funcionamento dos pequenos negócios, atinge de forma distinta diferentes produtores e atividades; este fato pode implicar deterioração nas condições de vida de determinados estratos. 
Esse é um dos motivos que justificam a execução de políticas públicas específicas para a sua promoção econômica. Outra razão é que a inserção mais favorável e estável nos mercados para esses produtores deve conduzir a um comportamento cidadão na observância das diferentes regulamentações. 
  • Por fim, não se pode deixar de mencionar a importância dos fundos públicos federais e a necessidade de definir diretrizes nacionais para o êxito da implementação da política pública de trabalho e renda – o Sistema Público de Trabalho e Renda. 
A seleção dos programas deve ocorrer em função das necessidades regionais e locais, ou seja, em níveis estadual e municipal, e não pode prescindir de clareza na exposição dos objetivos, determinação dos usuários a serem atendidos, parâmetros para avaliar resultados, monitoramento federal e transparência de sua eficiência e eficácia. 
  • A construção de espaços institucionais e de rotinas operacionais que medeiem, entre os diferentes níveis governamentais, a formulação, a implementação e a avaliação das políticas públicas pode ser a garantia de sua manutenção, consistência e de resultados eficazes.
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Globalização e processo de informalidade