Pedossistemas da mata atlântica:
Considerações pertinentes sobre a sustentabilidade
Mauro Resende
João Luiz Lani e
Sérvulo Batista de Rezende
- Em decorrência do uso indiscriminado dos recursos naturais pelo homem, uma série de problemas tem sido ocasionados, sendo um deles a perda da biodiversidade. A Mata Atlântica, em razão de sua localização e de outros fatores, tem sofrido uma intensa pressão, o que a tem caracterizado intensamente.
O solo, em relação ao clima, à geologia e a outros fatores do ambiente, é considerado como o melhor estratificador de ambientes (Resende & Rezende, 1983). Ele varia em pequenas distâncias e suas características, inclusive as topográficas, podem originar padrões intrincados de disponibilidade de recursos, como radiação solar direta, água e nutrientes, o que influencia a vegetação, a sustentabilidade agrícola, a instabilidade à erosão e aos desbarrancamentos e a biodiversidade.
- Os objetivos deste trabalho foram levantar alguns pontos para reflexão e sugerir uma estratificação dos principais ambientes que compõem o bioma Mata Atlântica, com o intuito de melhor compreendê-lo e, conseqüentemente, de utilizá-lo melhor, preservando sua biodiversidade dentro de um caráter de maior sustentabilidade
Materiais e Métodos:
- Este trabalho teve por abrangência a área que envolve a Mata Atlântica, e é fruto de observações de campo dos autores. Pelos indicadores ambientais locais e regionais, tendo por base os solos, foram identificados os diferentes ambientes que compõem a Mata Atlântica.
As informações sobre material de origem, teores de nutrientes, tipos de vegetação, erosão, morfologia de solos, profundidade dos solos, porosidade, elementos químicos totais, análise mineralógica e outras são oriundas de vários levantamentos de solos realizados pelo Serviço Nacional de Levantamentos de Solos (Brasil), atualmente EMBRAPA (Brasil, 1958, 1960, 1962, 1967, 1970a, b, 1973a,b, 1977, 1978, 1979), e pelo PROJETO RADAMBRASIL, (PROJETO RADAMBRASIL, 1983, 1986), em diferentes intensidades de levantamentos e escalas.
- Esses levantamentos de solos, em diferentes escalas, e os relatórios que os acompanham abrigam uma série de informações geológicas, pedológicas, de vegeta- ção, de uso do solo etc., que, se bem interpretadas, subsidiam a compreensão da biodiversidade da Mata Atlântica.
Resultados e Discussão:
- Neste item serão abordados, em parte, os pontos que envolvem os levantamentos de solos, como a representatividade dos mapas, a profundidade do solo, as implicações do uso do solo pela agricultura familiar, os recursos básicos de funcionamento dos ecossistemas e os indicadores ambientais, e outros que darão suporte para propor uma estratificação de ambientes que compõem a Mata Atlântica.
O Problema de Escala:
- Uma das maiores dificuldades na identificação, na conceituação e no uso das informações sobre os ecossistemas é a que se refere à questão de escala. Os mapas existentes são muito genéricos. Os mapas de solos, por exemplo, que são os únicos que se referem especificamente à questão de nutrientes no sistema, são, no Brasil, raramente na escala de 1:100.000 ou maior. Em geral, estão nas escalas de 1: 250.000 ou menor.
E em qualquer dessas situações, as unidades de mapeamento são definidas como associações de solos. São reconhecidas ali muitas unidades que não podem ser mapeadas. Mesmo que fosse viável o uso de escalas muito grandes, por exemplo 1:10.000 ou até maiores, como se faz em alguns levantamentos de solos para o fim específico de irrigação, além dos custos elevadíssimos e da desvantajosa relação custo/benefício, há ainda uma questão de exequibilidade prática.
- As classes de solo podem variar substancialmente a intervalos de poucos metros. Em muitos locais da Mata Atlântica, solos bem rasos ou afloramentos de rocha estão lado a lado com solos profundos; em outros, solos distróficos ou álicos podem estar bem próximos de solos eutróficos (ricos). Seria possível mapear essas diferenças altamente significativas sob o ponto de vista dos ecossistemas naturais ou produtivos?
E mesmo que fossem mostradas essas diferenças no mapa, isso seria útil para alguém? Não seria mais fácil, num caso como esse, identificar esses habitats diretamente no campo? Entre esses extremos de escala e abordagem existe um vazio de informações.
- De um lado as unidades ambientais, definidas por critérios indiretos (em geral, baseadas em unidades temáticas) e escala muito pequena; do outro, as que são efetivamente de interesse do usuário mais direto: o agricultor ou ainda para uma decisão mais específica de natureza ambiental.
As primeiras são muito genéricas, de difícil sistematização em relação àquilo que interessa mais diretamente aos sistemas naturais; as últimas são de mapeamento pouco prático, quando não impossível. Logo, qual é o caminho a percorrer?
Saber o que é Essencial:
- E como é que se sabe o que é de interesse efetivo em termos de distinção de ambientes? Em um sistema multivariável e complexo, como são os ecossistemas, é sempre difícil encontrar uma resposta simples e direta, mas algumas reflexões talvez ajudem nessa decisão.
Nem todas as variáveis são igualmente importantes em todas as situações. A importância de cada variável depende do contexto. A profundidade do solo e o uso agrícola dos solos acidentados serão usados para ilustrar esses aspectos.
Profundidade do Solo em Dois Contextos:
O volume de solo disponível para o crescimento e desenvolvimento de raízes, tão importante para os ecossistemas terrestres, e que é geralmente expresso em termos de profundidade de solo, tem conotações diferentes conforme o contexto:
- Numa área em que chove muito, um solo raso pode significar excesso de água ou deficiência de oxigênio. As chuvas freqüentes podem encharcar o solo com facilidade, dificultando, por deficiência de oxigênio, o bom desenvolvimento das raízes, o que afeta particularmente a absorção de nutrientes, inclusive pela presença de íons em concentrações tóxicas como o ferro e o manganês.
- Um solo raso em ambiente semi-árido, por outro lado, vai indicar deficiência de água, e não tanto de oxigênio
Nessa profundidade do solo, a profundidade efetiva das raízes, ou seja, até onde elas podem se aprofundar, pode ser limitada pela presença de rochas consolidadas ou não e pelos horizontes de solos com características peculiares, com impedimentos físicos (adensamento, fragipans, duripans etc.) ou químicos (altos teores de enxofre, alta saturação por alumínio e sódio).
- Mesmo que haja um processo cuidadoso de estratificação de ambientes, não obstante as dificuldades de escala, como mencionado, há ainda a necessidade de síntese. Freqüentemente, costuma-se perder o essencial na tentativa de síntese.
Solos Acidentados:
Teoria Mal Fundamentada:
- Eis um exemplo, pertinente ao domínio da Mata Atlântica. Algumas áreas acidentadas, como acontece em várias outras partes do mundo, vêm sendo usadas pela agricultura familiar há muitas e muitas décadas, sem nenhum sinal de decréscimo pronunciado da produtividade.
Os campos de cultivos são pequenos e praticamente do mesmo tamanho. O agricultor não pode plantar mais do que ele e sua família podem cuidar. Nessa situação, todos os seus vizinhos estão provavelmente às voltas com o mesmo problema, cujas implicações são claras. A erosão (morfogênese) não é maior do que a pedogênese (forma- ção de solos).
- A pedogênese nesses locais é rápida o bastante para ter interesse prático. Tal fato evidencia que em alguns locais dos trópicos os solos acidentados e rasos não são instáveis no quadro ecossociológico atual. As generalizações a respeito dessas áreas precisam ser repensadas (Resende et al., 1999). O uso agrícola desse sistema, apesar de precário, tem se mantido sustentável por longos anos a fio.
A agricultura parcialmente nômade, com a utilização do pousio por alguns anos nessas condições, tem se mostrado viável, e, a não ser que fossem dadas alternativas para os que ali vivem, não seria justificável proibi-los de cultivar a terra sob o pretexto de instabilidade, empobrecimento do solo, erosão e outros fatores. Os fatos não condizem com essas assertivas.
- Haverá, como há em qualquer sistema, espaço para melhorias das relações homem natureza. Entretanto é necessário que esses sistemas sejam estudados mais ou que se reflita mais sobre o que se conhece, para saber onde (se for possível) melhorar aquilo que vem sendo feito há décadas.
É relativamente fácil cultivar em solos planos quando há recursos para adubar e para operar com máquinas em vários estágios do processo produtivo, sobretudo em um sistema de transporte, armazenamento e comercialização compensatórios.
- Essa não é, evidentemente, a situação dos agricultores desse bioma. Portanto é preciso encontrar caminhos para que eles possam ter direito pelo menos à vida, em vez de somente proibi-los, sem lhes dar uma opção.
Não obstante a ênfase dos parágrafos anteriores, não há como negar casos de degradação intensa pelo cultivo dessas áreas acidentadas. Em outras palavras: nem todas as áreas acidentadas têm o mesmo poder de recuperação; umas têm menor ou maior poder de resiliência. Aquelas que têm como substrato solos distróficos são potencialmente instáveis.
- As generalizações referentes às áreas estáveis e instáveis, como base na relação taxa de pedogênese versus morfogênese, precisam ser repensadas, não tanto pelo conceito em si, mas pela necessidade de seu aprofundamento. Ele precisa incorporar com mais profundidade os conhecimentos pedológicos, e não ficar muito restrito ao relevo, simplesmente.
O fato de o solo ser eutrófico ou não já ajuda bastante nesse mister. A prática centenária dos agricultores referenda essas considerações. Os conhecimentos pedológicos no Brasil permitem identificar com bastante segurança os solos eutróficos com o uso, na maioria das vezes, de indicadores locais
Os Recursos Básicos:
De Funcionamento dos Ecossistemas:
- Os exemplos anteriores, referentes às questões da profundidade dos solos e a respeito da instabilidade dos solos acidentados sob utilização agrícola, mostram que o uso do conceito de limitações ecológicas (Bennema et al., 1965), enfatizando os recursos água, nutrientes e oxigênio, ajuda a elucidar mais do que relevo, textura, profundidade ou classe de solo. Esses elementos são valiosos para descrever e mapear mas inadequados para interpretar.
No que se refere aos agroecossistemas, foram acrescentadas as limitações agrícolas por impedimento à mecanização e suscetibilidade à erosão. Na essência, as plantas precisam de radiação solar, água e nutrientes. Esse é o triângulo ambiental básico. Os outros fatores são coadjuvantes. Assim, tanto para ecossistemas terrestres como aquáticos, radiação (R), água (A) e nutrientes (N) constituem o triângulo ambiental básico.
- É nele, de preferência, que se deve buscar a síntese de informação. Isso não invalida a importância de fatores como classes de solo, relevo, substrato geológico etc., mas no que se refere ao funcionamento dos ecossistemas esses elementos têm, necessariamente, que ser interpretados em termos dos recursos de radiação, de água e de nutrientes.
Assim, conforme será visto, na identificação dos grandes ambientes pertinentes ao bioma Mata Atlântica foram enfatizados os fatores mais ligados aos recursos: nutrientes e água. Mas se esses recursos, sob o ponto de vista prático, não podem ser visualizados diretamente na maior parte das vezes, que indicadores deles poderão ser usados?
Indicadores:
- O uso de indicadores é um fenômeno comum no nosso dia-a-dia. Estamos sempre usando um ou outro indicador a respeito do comportamento do mundo à nossa volta. É também da experiência comum o fato de que nem sempre acertamos ao usá-los.
À semelhança do dedo indicador que aponta o rumo, mas sem tocar no objetivado, os indicadores apenas indicam, nada mais. É preciso conferir, na maioria das vezes. Nenhum indicador funciona sempre em qualquer contexto.
Ele é circunscrito, na sua validade, a limites mais ou menos estreitos.Eis alguns exemplos:
- O sapé (Imperata spp.) é normalmente tido como indicador de solo pobre em nutrientes. No entanto, ele tem sido localmente registrado em solos eutróficos, com pH próximo a 8, perto de área de moinho calcário, tendo sido observado até com as folhas brancas pelo pó depositado.
- O capim-gordura (Mellinis minutiflora) é tido, em boa parte do Brasil, como relacionado aos solos de boa drenagem, sem adensamento; no entanto a presença de ecótipos, local ou regionalmente, como na Baixada Maranhense (RESENDE et al., 1999), restringe o escopo desse uso.
- Os solos de coloração avermelhada no Espírito Santo, e talvez no Estado do Rio de Janeiro, indicam com relativa consistência a presença de solos eutróficos; já em outros Estados tal fato não tem validade alguma ou pode tê-la num contexto restrito
Apesar das dificuldades e restrições, os indicadores constituem a forma mais prática de predição. O que se deve ter é bastante cuidado no seu uso e, em particular, no escopo de suas aplicações. As Unidades de Solos como Indicadores:
Uma das principais contribuições da pedologia brasileira foi aquela de poder assinalar, usando um conjunto de indicadores, os solos eutróficos (ricos) e os distróficos (pobres). Como já mencionado, no caso da cor nem sempre o mesmo critério funciona em qualquer lugar.
Nos levantamentos de solos feitos pela antiga Comissão de Solos do Ministério da Agricultura, que depois de vários nomes veio a ser o Centro Nacional de Pesquisa de Solos, sempre foi utilizado o conceito de fases de vegetação original.
Pedossistemas da mata atlântica:
Considerações pertinentes sobre a sustentabilidade
Fases de Vegetação Original:
- Na conceituação e nomenclatura dessas fases, a Comissão de Solos contou sempre com competentes botânicos (por exemplo, Geraldo Mendes Magalhães, Dárdano de Andrade Lima, Carlos Toledo Rizzini e outros). O objetivo inicial dessas fases de vegetação original era usá-las como indicadoras de dados climáticos, isto é, como um indicador da deficiência de água.
Neste sistema deu-se bastante ênfase às espécies caducifólias como indicadoras de deficiência de água. Assim, construiu-se uma seqüência:
- Hidrófila-higrófila-perúmida-perenifólia-subperenifólia-subcaducifólia-caducifólia
A própria etimologia das expressões ajuda a visualizar o significado: hidrófila (ávida por água); hidrófila (vive em lugar úmido); perúmida (precipitação > evapotranspiração potencial durante todos os meses do ano); perenifólia (ausência de estação seca marcante); subperenifólia (estação seca de aproximadamente 2-3 meses); subcaducifólia (estação seca de 3-5 meses); e caducifólia (estação seca de 5-7 meses).
- A fase de vegetação, embora esteja muito relacionada com o clima atmosférico, refere-se ao pedoclima. Pode haver, dependendo da profundidade do solo e do teor de nutrientes no solo, floresta subcaducifólia e caducifólia a alguns metros de distância uma da outra
Fase de Relevo:
- Da mesma forma que as fases de vegetação original, as fases de relevo são definidas para cada componente das unidades de mapeamento. São definidas as seguintes classes de relevo: plana (0-3% de declive), suave ondulada (3-8%), ondulada (8-20%), forte-ondulada (20-45%), montanhosa (45-75%) e escarpada (> 75%).
Assim, além das informações sobre nutrientes (por exemplo, pela expressão eutrófico ou distrófico de cada componente), há definições da vegetação original e do relevo
Indicadores na Mata Atlântica:
Os Grandes Ambientes:
- O uso das informações constantes dos estudos pedológicos pode ajudar sobremaneira na distinção de ambientes. No caso da Mata Atlântica, optou-se pelo uso de informações englobadas sob o tema sistemas pedológicos, onde são feitas generalizações acerca dos recursos de nutrientes e de água, tanto no solo, quanto na água de superfície.
Por esse critério foram identificados dez grandes ambientes, enfatizando, em cada um, suas características e fragilidades no que se refere às questões de nutrientes e de água disponível. Desse grande conjunto de ambientes, há alguns destaques pertinentes à biodiversidade:
- As áreas de solos húmicos nas partes mais elevadas;
- As áreas pertinentes aos grandes afloramentos de rochas; e
- As áreas acidentadas com solos pobres e estresse hídrico pronunciado
Áreas de Solos Húmicos nas Partes Mais Elevadas:
- Esses solos, com altos teores de matéria orgânica (em geral da ordem de 16 kg/m3 de carbono orgânico), ocupam as áreas mais elevadas, geralmente acima de 900 m de altitude, em várias partes do domínio da Mata Atlântica (Brasil, 1958, 1960, 1962, 1967, 1970a,b, 1973a,b, 1977, 1978, 1979, PROJETO RADAMBRASIL, 1983, 1986).
Como a frente de erosão vem da costa para o interior, essas são áreas mais protegidas do processo de renovação (erosão geológica). É nelas que se espera encontrar os testemunhos das condições paleoambientais que marcaram o Pleistoceno brasileiro (Bigarella et al., 1975). É possível que se encontrem aí espécies relictos. Os altos teores de carbono desses solos representam cerca de mais de 160 t/h. Certamente é de interesse da humanidade que esse carbono permaneça onde está, sem ser levado, na forma de CO2 , para a atmosfera.
- Esse valor de carbono fixado no solo é, como foi dito, muito alto (cerca de 35% daquele correspondente à biomassa de uma floresta tropical, que é de 45 kg/m2 (Lieth & Whittaker, 1975). Embora não seja exclusivo desses solos, a eles estão associadas manifestações de atividades que parecem ser de paleovermes, até as incríveis profundidades de 30 m (Rezende, 1980; Corrêa, 1984; Lani, 1987).
Essas manifestações que aparecem na forma de canaletas preenchidas por material vindo de cima (pedotúbulos) ainda não foram esclarecidas quanto ao agente causador, à época de ocorrência e à distribuição de sua área de atuação, que parece ser muito grande tanto em relação à profundidade no solo quanto à sua atuação no Brasil.
Áreas dos Grandes Afloramentos de Rochas:
- Essas áreas já tiveram sua importância biológica levantada por Axerold (1972). As condições pedoclimáticas propiciam, como se fosse em um banco genético, a manutenção de espécies xerófilas que ocuparam uma área maior e mais contínua e que agora vivem no ambiente da Mata Atlântica, nesses locais de refúgio. Os afloramentos de rochas não ocorrem só.
Há, lado a lado, solos bem distintos quanto a profundidade e, às vezes, a nutrientes; isto sem falar dos aspectos pertinentes à variação da carga energética que chega à superfície do ecossistema, em função da exposição do solo (declive e orientação da rampa) (Benincasa, 1976), como documentado por Cerqueira (1995), por exemplo, o que propicia um substrato favorável à diversidade.
- Por exemplo, as superfícies rochosas (e também copas de árvores) dessas áreas acima de 1.500 m, como ocorre no Espírito Santo, são áreas potenciais para se encontrar a orquídea Scuticaria kautskyi (Feitoza et al., 1999). Além disto, essas áreas são particularmente valiosas como cenário. O tamanho, as formas e o colorido dessas superfícies rochosas emolduram um cenário de valor produtivo em modalidades como ecoturismo.
Áreas Acidentadas de Solos Pobres e Estresse Hídrico Pronunciado:
- A combinação de limitações nesses dois recursos, água e nutrientes, resulta em efeitos peculiares. Os estresses têm efeitos sinérgicos, porque as estratégias que as plantas utilizam para enfrentamento de deficiência de nutrientes ou de deficiência de água são antagônicas.
A perenidade de folhas, o pouco aprofundamento do sistema radicular, a grande massa aérea em relação às raízes, a atividade biológica constante, tudo isso inviabiliza a existência da planta onde o estresse hídrico é acentuado. Por outro lado, o caducifolismo, a baixa relação parte aérea/raízes, a estação de repouso, entre outros, fragilizam o sistema quanto à manutenção de nutrientes.
- Em locais de estresse hídrico pronunciado (mas não tão extremo que favoreça espécies de caatinga), é comum a existência de vegetação florestal, que pelo sistema radicular profundo (em solos também profundos) ameniza as deficiências estacionais de água: muitas plantas (a maioria) permanecem com as folhas mesmo na estação seca. São mais raros os casos de floresta caducifólia (mata seca) em solos pobres (Janzen, 1980).
A substituição da vegetação arbórea pelas espécies graminóides, de sistema radicular mais superficial, acentua sobremaneira a deficiência de água para essas espécies. Tal fato se torna mais grave, pois essas espécies precisam, para ter a mínima chance de sobrevivência, de ser também tolerantes a solos pobres em nutrientes.
- Como a pobreza em nutrientes é constante, sendo a deficiência de água estacional e de intensidade algo aleatória, as espécies usadas pelo homem, plantadas ou nascidas naturalmente, são adaptadas à pobreza do solo (como o capim-gordura ou capimmeloso, Melllinis minutiflora), mais do que à deficiência hídrica (Baruqui et al., 1985). Resultado: essas áreas acidentadas e de solos pobres são particularmente fragilizadas após a substituição da floresta por uma vegetação mais rasteira.
A recuperação da vegetação é muito reduzida, e com freqüência o solo fica completamente exposto. Essas relações assumem clareza maior naquelas áreas em que, sob deficiência hídrica relativamente pronunciada, há uma combinação de solos pobres nos topos e nas encostas superiores dos morros e de solos ricos (eutróficos) logo abaixo.
- Nessas áreas, como em grandes áreas de pecuária de corte sustentadas pelo capim-colonião (Panicum maximum), manejado historicamente pelo fogo, entre o topo do morro de solos pobres e menos adensados, mais propícios, por esse aspecto, para o capim-gordura, e as partes baixas de solos adensados e ricos, mais adequados para o capim-colonião, há uma área de solos pobres acidentados e naturalmente deficientes de água.
É aí que ocorrem os chamados pelados, áreas sem vegetação, o que é comum, por exemplo, no vale do rio Doce, próximo a Governador Valadares. Além desses três grandes ambientes, há localmente algumas áreas caracteristicamente instáveis:
- As de solos íngremes com sólum (horizontes A + B rasos) e horizonte C muito profundo;
- Áreas em que horizontes ricos em enxofre estão na superfície ou próximo a ela;
- Áreas de restinga; e
- Áreas de mangue.
As três últimas serão mais bem tratadas no que se refere à parte costeira. Aqui serão feitas considerações sobre os solos pobres com sólum raso e horizonte C profundo
Solos Pobres:
Com Sólum Raso e Horizonte C Profundo:
- Ocorrem particularmente nas áreas acidentadas de solos pobres. Neste caso o recurso que está em mínimo, a disponibilidade de nutrientes, é, sob vegetação natural, mantido pela reciclagem.
Assim que essa reciclagem é minimizada, por exemplo, pela retirada da vegetação natural e pelo solo exposto, as perdas de nutrientes aumentam, o que reduz a produtividade do ecossistema, produtivo ou não.
- Esse fenômeno é potencializado nas chamadas pedoformas íngremes, nas bordas das ravinas anfiteátricas que caracterizam grande parte dos Mares de Morros, tão associados à Mata Atlântica. Esses ambientes em detalhe, que não podem ser mapeados em escala razoável, são facilmente reconhecíveis a campo pelo uso de alguns indicadores.
Além de sua forma, o que apresenta encosta íngreme e de perfil linear, com curvatura, em grande parte, também linear em pequenos segmentos, existem outros indicadores. Entre eles há presença da cor rósea e pouca profundidade da superfície, indicando um solo com sólum pouco espesso, sobre um horizonte C muito espesso.
- Essa combinação de sólum raso e espesso indica instabilidade do sistema quanto à erosão e às perdas de nutrientes – um recurso que está em mínimo. A pouca espessura do horizonte B propicia a sua remoção por erosão, expondo o horizonte C facilmente erodível
Os pequenos agricultores, e só eles, utilizam essas áreas, premidos pela pouca disponibilidade de melhores solos (as propriedades vão se miniaturizando pelo processo de herança) (Gomes, 1986), apesar de serem muito frágeis e pouco produtivas, principalmente pelas perdas de nutrientes. Talvez fosse viável pagar ao agricultor (pequeno agricultor) para que cuidasse, recuperasse e protegesse essas áreas para a sociedade.
Conclusões:
- Foi possível, dentro de uma visão pedológica, com base em diferentes levantamentos de solos, observações de campo e com ênfase em nutrientes e água, identificar dez principais ambientes inseridos dentro do bioma Mata Atlântica, que podem facilitar a compreensão de suas potencialidades e limitações e contribuir para conservação da sua biodiversidade.
- Para uma tomada de decisão mais específica de natureza ambiental, os mapas utilizados, em razão das escalas pequenas e da inviabilidade técnica de escalas maiores, não são por si só apropriados para suportar decisões de uso mais convenientes dos recursos naturais. Sugere-se, em complemento a eles, o uso de indicadores ambientais (chaves de identificação de ambientes), que podem ser locais ou até mesmo regionais.
- O pedoclima pode influenciar muito o tipo de vegetação e, com isto, a biodiversidade.
- Na região dos Latossolos húmicos que ocupam as partes mais elevadas da paisagem, geralmente acima de 900 m de altitude, podem ser encontradas espécies relictos.
- O uso das informações dos levantamentos pedológicos pode ajudar sobremaneira na distinção de ambientes.
- As condições pedoclimáticas dos grandes afloramentos de rochas propiciaram, como se fossem um banco genético, um refúgio de espécies xerófilas que ocupavam, antes, uma área maior e mais contínua.
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Pedossistemas da mata atlântica:
Considerações pertinentes sobre a sustentabilidade