As semelhanças estruturais entre semicondutores orgânicos e compostos
biológicos sugerem o uso desses materiais em aplicações biomédicas.
Como consequência uma nova área multidisciplinar
está nascendo: a bioeletrônica
Paulo Roberto Martins (org.)
- O tema é economia. Os assuntos que abordarei são: primeiro, a diferença sobre inovação nas áreas militar e civil; segundo, problemas ligados à tecnologia militar; terceiro, pesquisa e desenvolvimento na área militar com nanotecnologia e, depois, tecnologias convergentes, terminando com uma avaliação sobre controle de armamentos, recomendações e comentários concludentes. Quem quiser ler isso em detalhes, há um livro que está sendo lançado e que fala desse tópico.
A diferença entre inovação militar e civil. Os militares são fortes em alta tecnologia e por meio da alta tecnologia. É verdade que a passagem da tecnologia da área militar para a civil já aconteceu, mas isso está diminuindo. Hoje em dia, os militares muitas vezes dependem de tecnologias prontas, comerciais, na prateleira. Isso se aplica especialmente à computação, e décadas de pesquisa em ciências sociais têm confirmado que o custeio do desenvolvimento militar não é uma forma eficaz de melhorar a competitividade dos mercados civis. Isso se dá por vários motivos.
- Antes de tudo, os militares têm requisitos extremos: os aviões, por exemplo, têm de fazer curvas muito rápidas, têm de sobreviver a tiros, têm de ter um assento ejetável para o piloto. Nada disso é necessário em um avião comum.
A tecnologia militar é muito cara e, além disso, está ligada a sigilo, que torna a troca de conhecimento muito mais difícil. Então, se a meta de uma economia é dar apoio ao desenvolvimento de produtos de nanotecnologia para grandes mercados civis, não é uma boa idéia dar verba do governo aos militares para pesquisa esperando que alguma coisa possa ser usada na área civil.
- É melhor dar o dinheiro para pesquisa na área civil, como acontece principalmente nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Então, o Estado deve investir nas necessidades da maioria, especialmente da maioria pobre do país.
A tecnologia militar e a tecnologia civil são muito diferentes. A tecnologia civil tem a ver com evitar a destruição, e na tecnologia militar trabalha-se para a destruição, a destruição rápida e eficaz.
- As coisas ruins que queremos evitar na sociedade civil acontecem por acidente ou por meio de criminosos; quando estamos falando da área militar, tais coisas são preparadas de forma organizada, em grande escala. O uso militar da tecnologia é justificado pelos mais altos interesses do país.
Se necessário, trata-se de vencer um oponente por meio da força violenta. Esse é o objetivo dos militares. A forma central a prevalecer nos conflitos tem sido por meio das novas tecnologias e a tarefa dos militares tem a tendência de ultrapassar os limites civis e também envolve muito sigilo.
- Os usos militares, contudo, às vezes não são analisados quando se pensa, por exemplo, nas questões éticas da nanotecnologia. Estou contente por ter sido convidado para falar desse problema. Eu fiz um estudo dessa área na Alemanha, que terminou há um ano e meio atrás e o livro vai ser lançado em breve.
As armas não são uma coisa boa nas sociedades civis, na maior parte das sociedades civis elas são limitadas. Não sei como acontece no Brasil, mas em muitas sociedades as armas são limitadas e as exportações de armas de alta tecnologia podem ser boas para os empregos em casa, mas são perigosas para a vida e a saúde em outros locais onde há guerras civis ou guerras muito grandes.
- E, é claro, as armas e as tecnologias que exportamos podem voltar para casa e diminuir a segurança daqueles que as produziram, talvez pelo uso de criminosos ou terroristas no país de origem. Devemos ter em mente também que nossa nova tecnologia militar pode ser desenvolvida com o motivo de aumentar a segurança, mas pode fazer várias coisas: promover a corrida armamentista com outros, diminuir a estabilidade militar e, no caso da nanotecnologia, criar precedentes de manipulação de corpos que podem realmente trazer riscos.
É algo que a sociedade quer debater, os riscos e os benefícios dessa tecnologia. Agora, uma visão sobre a pesquisa e o desenvolvimento feitos pelos militares na área da nanotecnologia. Nas iniciativas de nanotecnologia nos Estados Unidos no ano 2000, as aplicações militares ou a pesquisa para a defesa receberam de um quarto a um terço da verba federal de pesquisa nos últimos quatro ou cinco anos.
- Mas uma boa parte dessa pesquisa e desenvolvimento é engenharia e ciência básica, e é feita em faculdades. Vamos ver, então, as iniciativas de pesquisa em nanotecnologia feitas em universidades. Os projetos de pesquisa e desenvolvimento que receberam verbas em universidades são bem genéricos. Trata-se de pesquisa bem básica e será ligada a aplicações militares somente no futuro.
O Massachusetts Institute of Technology é um instituto que foi fundado em 2002 para nanotecnologias para o soldado. Lá, muito dinheiro está sendo gasto: US$ 50 milhões em cinco anos, do Exército, mais US$ 30 milhões da indústria e até 150 universidades vão trabalhar nessas aplicações para soldados.
- Começam com aplicativos para computadores, por exemplo, uma roupa especial que não só fornece aquecimento ou ar condicionado, conforme o necessário, mas é capaz de colocar uma compressa ao redor de um ferimento, ou uma roupa que fica dura, impedindo a entrada de projéteis e é segura contra agentes biológicos e químicos.
A segunda onda nos Estados Unidos que, em certo sentido, depois inclui a nanotecnologia, é a convergência de tecnologias. O primeiro seminário nessa área teve uma sessão especial naquilo que chamam de segurança nacional, ou seja, segurança nos Estados Unidos. Eles estabeleceram sete metas para a convergência de tecnologias, ou seja, nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação e ciências cognitivas para a segurança nacional.
- Eu não vou mencionar todas, mas tem a ver com sensores em miniatura, processamento em alta velocidade e o segundo ponto tem a ver com veículos de combate autônomos, ou seja, aviões sem pilotos, tanques sem motoristas e, ainda, a área de nanotecnologia para soldados.
E a última é sobre melhorar o desempenho do ser humano, modificar a bioquímica e melhorar a sobrevivência, no caso de ferimentos. Vou dar a vocês uma idéia de como pode ser o futuro com nanotecnologia. Os exemplos que darei ainda não usam nanotecnologia, mas incorporarão nanotecnologia em vários aspectos, pelo menos computação de alta velocidade e materiais leves e resistentes.
- Já temos um avião que é dirigido por controle remoto, sem piloto, com mísseis. No futuro, todo os sistemas poderão ser autônomos. Foi dada uma verba a um instituto alemão para desenvolver um microrrobô. Existem também micro-aviões, ainda não usam nanotecnologia, mas logo vão incorporar nanotecnologia.
E devemos dizer que a eficiência militar desses dispositivos ainda não está clara. Talvez sejam frágeis demais, talvez não funcionem, mas pelo menos a pesquisa está sendo feita. Há veículos de combate autônomos, em terra, sem motorista; e existem também experiências para receber sinais do córtex de um macaco, a fim de obter um tempo de reação mais rápido.
- Devo dizer que, com seres humanos, as experiências são não-invasivas, ou seja, os humanos receberiam sinais de fora, de forma não-invasiva, para serem mais rápidos. Essa experiência consiste em colocar eletrodos no cérebro de um rato para ele seguir um curso predeterminado no laboratório, sendo dirigido.
As pessoas pensam que isso poderia ser aplicado a seres humanos. Se for feito para paraplégicos, que não têm movimentos, não há problema ético, mas se for aplicado a soldados, aí o problema começa. Sabemos que implantar sistemas artificiais nos corpos dos soldados já foi discutido abertamente nos Estados Unidos. Um seminário em 2001 tratou de sistemas artificiais dentro do soldado, mensuração, processamento de dados, comunicação e discussões sobre determinar onde estruturas podem ser colocadas no corpo, para monitorar o soldado.
- Se compararmos o que outros países fazem em pesquisa e desenvolvimento na área militar – mesmo países muito ativos em tecnologia militar, como Reino Unido, França, Países Baixos, Suécia ou Israel –, o investimento destes é muito menor.
- Mas isso pode mudar, à medida que outros países realmente acelerem seu trabalho na área de nanotecnologia para uso militar. No projeto que eu fiz com verba de uma fundação alemã para pesquisa para a paz, elaborei uma longa lista de onde a nanotecnologia pode ser aplicada para usos militares.
E a lista vai de computadores, produtos eletrônicos, comunicação, materiais, fontes de energia, até explosivos e propelentes mais eficientes, vários tipos de camuflagem variável e sensores baratos, mais leves; veículos mais ágeis, munição menor e mais precisa. Satélites em miniatura, robôs de tamanho macro e micro, armados e desarmados, inclusive híbridos entre sistemas artificiais e animais, como ratos; sistemas para soldados e novas armas químicas e biológicas.
- Mas devo acrescentar que a nanotecnologia molecular, ou seja, o que foi previsto por Drexler e colegas, ainda não é eminente, nem para uso civil nem para uso militar. Então, eu olhei a nanotecnologia que está sendo usada atualmente e as projeções para daqui a 15 ou 20 anos. Se olharmos essas aplicações em potencial pensando em segurança internacional, não-nacional, poderemos usar o conceito de controle de armas preventivo.
O que é isso? Se nós prepararmos um modelo do ciclo de vida de uma tecnologia de arma ou um sistema militar, este começa com pesquisa, depois sistemas concretos são desenvolvidos e testados e, se forem eficientes, aí são adquiridos, usados, modernizados e, finalmente, descartados.
- No controle de armas normal, por exemplo, permitindo a cada lado mil ogivas nucleares, isso envolve a questão do uso. O controle de armas preventivo funciona antes disso. A idéia é realmente impedir que essas tecnologias sejam adquiridas pelos militares antes de serem usadas. Nós, na Alemanha, tivemos vários projetos conjuntos nesse conceito de prevenção e desenvolvemos critérios.
O primeiro critério está ligado a um controle de armas eficaz, desarmamento e lei internacional. Sempre que novas tecnologias militares representam perigo para o desarmamento ou tratados, ou criam um problema para as leis humanitárias, ou podem ser utilizadas para a destruição em massa, temos de pensar em limitações preventivas.
- O segundo grupo vincula-se a estabilidade: novas tecnologias militares não devem desestabilizar a situação militar entre oponentes, deve tentar impedir a corrida armamentista e não podemos ter uma proliferação vertical, horizontal de substâncias, conhecimentos ou armas.
E o terceiro grupo de critérios diz respeito ao ambiente humano e à sociedade: novas tecnologias militares não devem, em tempos de paz, apresentar perigo para seres humanos, o ambiente ou o desenvolvimento sustentável, para sistemas políticos ou para a infra-estrutura da sociedade. Esses foram os critérios utilizados para avaliar 15 ou 20 aplicações em potencial de nanotecnologia em uso militar. Eu preparei uma tabela muito grande onde coloquei o sinal de mais, menos ou zero.
- Temos sinal de menos em várias áreas de aplicações, e apenas uma área em que a avaliação é positiva, que é a de sensores e formas para proteção ou neutralização contra a guerra química, que podem ser usados para proteger a população contra ataques terroristas. Outras aplicações não são perigosas e outras, como computadores pequenos e rápidos, estão tão próximas das aplicações civis que é quase impossível impedi-las na área militar, porque são quase iguais.
Em minha opinião, na tabela que elaborei há aplicações muito perigosas, que começam com pequenos sensores distribuídos. Pequenos sensores eficazes podem criar um problema para a estabilidade militar ou podem criar um problema se passarem para a sociedade civil, na área de sigilo, de confidencialidade.
- Depois, armas que podem criar problemas na sociedade civil, nos aeroportos. Depois, pequenos mísseis. Há uma grande preocupação sobre sistemas portáteis que foram dados pelos Estados Unidos para o Talibã, no Afeganistão.
No futuro, com a nanotecnologia, poderemos ter mísseis de 30 centímetros e não de 1 metro, pesando 2 quilos e não 20 quilos, que poderão ser disparados da bolsa de uma senhora e derrubar um avião. Então, esse é um grande problema, se tais coisas forem produzidas e forem para a sociedade civil, para outros países e para terroristas.
- Há um problema também com implantes e manipulação de corpos. O uso militar pode criar um precedente para que implantes sejam feitos, por exemplo. A sociedade deve discutir que tipos de implantes devem ser permitidos em uma pessoa. Existe também o perigo de ficarmos viciados ou de um software controlar o cérebro de uma pessoa.
Então, a sociedade deve debater o que permitir e o que não permitir. Se os militares já estiverem usando isso em larga escala, implantes no corpo das pessoas, esse debate da sociedade talvez não seja eficaz, porque haveria já dezenas de milhares de pessoas usando esses sistemas.
- E também sistemas autônomos de luta e robôs bem pequenos, que poderiam ser usados para invadir a privacidade das pessoas na sociedade civil ou, talvez, para ataques terroristas visando autoridades ou a diminuir a estabilidade entre oponentes. O mesmo acontece na parte de estabilidade, pequenos satélites, pequenos lançadores.
As coisas estão ficando perigosas, com novas armas químicas e biológicas. Então, se não formos bem-sucedidos em limitar essas aplicações tão perigosas de nanotecnologia, isso poderá criar problemas globais profundos.
- Em meu projeto, pensei em como solucionar esses problemas e desenvolvi recomendações, o que fazer nessas oito áreas nas quais encontrei a maior parte dos problemas. Penso que não devo mencionar todos; quero apenas mencionar o problema, que consiste em não permitir sistemas sem pilotos.
Não creio que seja bom, por exemplo, termos aviões sem piloto, um veículo sem motorista. Se isso não for possível, devemos exigir que a decisão de atirar e a liberação de armas, ou seja, matar, que nunca seja feita sem uma decisão humana. Não sei se isso poderá ser feito quando houver centenas ou milhares de sistemas autônomos, sem piloto.
- Mas devemos exigir isso, que a decisão de matar seja feita por um humano, não por uma máquina. Concluindo. Quando olhamos a pesquisa e o desenvolvimento de nanotecnologia na área militar, devemos dizer que os Estados Unidos não têm grandes desafios em termos de ter um grande oponente. Os Estados Unidos não têm um grande inimigo.
Então, os Estados Unidos estão organizando uma corrida armamentista consigo mesmo. Isso pode trazer vários perigos. Seria possível realmente se chegar a um acordo internacional sobre limites, mas para isso seria necessária a compreensão, por parte dos Estados Unidos, de que os limites são do seu interesse. E fica claro que, com a administração atual, essa compreensão não existe. A seguir, uma visão sobre os sistemas internacionais.
- As novas tecnologias que já chegaram, em parte, mas que se tornarão bem mais potentes, como engenharia genética, redes de computação por toda parte, nanotecnologia, serão poderosíssimas e vão apresentar grandes riscos em termos de mal-uso. Portanto, conter esses riscos vai necessitar de verificação e de um sistema para processar criminosos semelhante àqueles que temos na sociedade civil, tudo isso em nível internacional.
Nós sabemos e aceitamos esses procedimentos em questões como segurança no trabalho, lei ambiental e assim por diante. Então, se houver um perigo, a polícia poderá entrar em uma empresa química, parar o processo, prender alguém, etc.
- E, provavelmente, vamos precisar da mesma coisa em nível internacional. Isso ainda não é possível porque os Estados realmente valorizam muito sua autonomia e pensam que têm de garantir a segurança através das Forças Armadas.
Mas a inspeção intensa de que necessitamos, com esse controle, não é compatível com o trabalho das Forças Armadas. Eles querem sigilo, querem avan- ço, mas temos de olhar intensamente o que eles fazem e, se olharmos, se tivermos informação, eles vão achar que não são eficientes. Então, no médio e no longo prazo, a segurança pede o reforço das instituições nacionais e internacionais, inclusive a lei criminal internacional.
- Temos algumas indicações, mas isso tem de ser fortalecido, inclusive a lei internacional sobre crimes. Temos algumas informações sobre isso, mas essa lei tem de se reforçada. E a dependência de tudo isso tem de ser reduzida. Com respeito aos debates internacionais que acontecem, com respeito ao uso da nanotecnologia e da pesquisa em desenvolvimento responsáveis, é necessário usar o potencial da nanotecnologia para a humanidade, para evitar perigos.
Precisamos de governança global nessa área e orientação sobre valores humanos. Essa é uma chamada para que sociedade e organizações não-governamentais participem e analisem os perigos dos usos militares e trabalhem para mudar a posição dos Estados Unidos sobre essa questão. É realmente importante que nos Estados Unidos haja pesquisa, mas também uma crítica com respeito a isso.
- Um bom código de conduta para pesquisa em nanotecnologia. Esses debates têm de ser reforçados e, visto que é uma questão internacional, também devem incluir em sua agenda segurança internacional.
Devemos envolver organizações internacionais como Unesco, Organização Mundial de Saúde, as Nações Unidas nessas discussões sobre o uso militar da nanotecnologia, seus perigos e como podemos impedi-los. Para finalizar, quero deixar uma questão: talvez haja um papel para o Brasil, para reforçar as iniciativas internacionais nessa área.
A Toshiba anunciou seu novo chip de memória cache destinado a computadores, tablets e smartphones, que pretende economizar bateria dos dispositivos graças a uma nova forma de guardar a memória temporária.
Nanotecnologia: um ponto de vista da Europa:
Renzo Tomellini
- Depois do que o professor Altmann falou sobre o que pode acontecer, aplicações potenciais, quero falar sobre o que está acontecendo, sobre o que estamos fazendo e o que é o estado da arte, e vamos também ver o que vem no futuro.
A nanotecnologia é uma abordagem muito complexa, com respeito a ciência e tecnologia. Primeiro, alguns dados sobre verbas, mostrando a distribuição do custeio. Visto que o tema é nanotecnologia e economia, eu trouxe a vocês este dado. A primeira informação importante são os gastos em pesquisa relacionada a nanotecnologia da ordem de 8 bilhões de dólares ou euros, dependendo da taxa de câmbio, em gastos públicos e privados.
- Digamos que um dólar tenha o mesmo poder de compra de um euro. Então, a segunda informação importante: em 2004 os gastos privados ultrapassaram pela primeira vez os gastos públicos. E isto é importante no momento em que pensamos sobre a economia. A indústria está investindo cada vez mais e está muito interessada na nanotecnologia.
Em termos de distribuição dos investimentos, tendo em conta os países da União Européia mais Suíça, Estados Unidos, Japão e outros, vemos que muito dinheiro público está sendo investido, especialmente na Europa. A Europa gasta mais dinheiro público do que outras áreas. Onde vemos a Europa fraca e outros países fortes é na área do setor privado.
- Na Europa, as indústrias estão descapitalizadas e esse é um problema para nosso sistema, que também se reflete na nanotecnologia. Outra informação é que, na Europa, a maior parte dos gastos vem dos Estados membros e apenas um terço é da Comissão Européia e do programa que eu gerencio.
Isso mostra que a Comissão Européia é a principal entidade que gasta em nanotecnologia; mas não é a mais importante se levarmos em conta o total dos gastos, o que não acontece nos Estados Unidos. Lá, vemos que o governo gasta muito mais do que os outros.
- A nanotecnologia tem um grande potencial; a nanotecnologia não é um mercado em si, é uma cadeia de valor, é uma abordagem para ciências materiais e vai ocasionar inovações em todos os setores, inclusive naquilo que o professor Altmann mencionou, na área militar.
O que podemos ver hoje, que é um pouco diferente de outros setores, é o seguinte: estamos acostumados a considerar materiais na indústria de transformação, aço e outros, e vemos que o valor agregado está no final da cadeia de suprimentos, no produto final. Por exemplo, o aço, temos o minério da África do Sul, do Brasil e levamos para a Europa. O vidro também, colocamos nos fornos, colocamos nos conversores. Fazemos aço, fazemos produtos laminados.
- No final de tudo isso, precisamos de três quilos de aço para comprar um cafezinho no bar. Isso mostra como é dramática a situação da cadeia de suprimentos, da indústria de transformação. Em alguns setores, o valor agregado está no produto final. Na nanotecnologia, é diferente.
O momento é diferente. Podemos comparar isso com a eletrônica, quando vimos o desenvolvimento dos chips. Na nanotecnologia, vemos muito valor agregado nos produtos intermediários. E o produto final não muda o preço. Então, para promover a competitividade, deve-se manter o preço do produto final. Portanto, no caso da nanotecnologia o valor está nos produtos intermediários.
- Isso é interessante e é peculiar, neste momento de desenvolvimento da nanotecnologia. Podemos dizer que, no futuro, quando a tecnologia molecular for em escala industrial, quando tivermos essa abordagem de baixo para cima, teremos muitas inovações, produtos completamente novos, tecnologias completamente novas, e aí teremos um panorama diferente.
Mas hoje vemos, na cadeia de valor, que a nanotecnologia agrega valor nos produtos intermediários. Todos os analistas estão prevendo um grande aumento de produtos e serviços de nanotecnologia no mercado e os maiores números estão no valor dos produtos que contêm nanotecnologia. Por exemplo, alguém compra um vaso sanitário que tem um revestimento que não permite sujar.
- Então, ele nunca suja. Nesse caso, não se compra nada invisível; compram-se produtos cuja inteligência está em uma solução de nanotecnologia, como o vaso sanitário que não suja. Agora, quero comentar sobre outros pontos. A nanotecnologia não é uma indústria em si, é uma tecnologia subjacente em vários setores.
E nosso objetivo não é só dar apoio à pesquisa. Os Art. 163 a 173 do Tratado de Amsterdã1 dizem que a comissão tem de reforçar a base tecnológica da indústria européia e, depois, temos de alcançar metas. E as metas não são pesquisa. Nossas metas são as metas políticas da Comunidade Européia: melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, melhorar a competitividade da indústria, ou seja, tornar a Europa mais competitiva, sendo uma sociedade baseada em conhecimento.
- O objetivo, então, é desenvolver algo útil e a nanotecnologia é um meio para desenvolver algo útil. No caso da área farmacêutica, temos algumas pessoas que conseguiram maior tempo de vida, a nanotecnologia já permitiu que algumas pessoas vivessem, pessoas que normalmente teriam ido a óbito.
Então, precisamos de conhecimento, não sabemos o suficiente. Precisamos também de regulamentação, patentes, financiamento de pequenas e médias empresas, financiamento para inovação e falar ao público sobre os riscos da nanotecnologia.
- Temos de investigar os riscos e avisar a todos sobre os riscos. A Comunidade Européia decidiu propor para a Europa uma pesquisa integrada e responsável. Temos de integrar todos os fatores de sucesso: pesquisa, infra-estrutura, pessoas, porque precisamos de tudo isso para desenvolver tecnologia.
É como um automóvel, se você não tiver as rodas, o motor, a carroceria, ele não vai andar. Então, precisamos de todos os elementos para termos sucesso e podermos usar a tecnologia para algo útil. Queremos desenvolver medidas custo/eficiência seguras, normas, padrões.
- A comissão emitiu dois documentos, que nós chamamos de comunicações, são documentos políticos. Um é um documento sobre a visão, a estratégia da Europa para a nanotecnologia. O outro é um plano de ação. Por que dois? Primeiro, porque precisamos da visão, e ela foi passada para os Estados membros; eles comentaram e recebemos respostas muito positivas.
Eu também fiquei contente com isso, é claro. E então, o Conselho Europeu emitiu conclusões também muito positivas e pediu que preparássemos um plano de ação. Então, disseram: “Comissão, ótimo. O que temos de fazer para avançar?”
- O conselho também disse outra coisa: “Façam um plano de ação, mas desenvolvendo um diálogo internacional sobre um código de conduta, sobre uma estrutura de princípios compartilhados. Com respeito à estratégia, tivemos também uma consulta pública que foi respondida por 750 pessoas. Normalmente, recebemos muita crítica, que o que estamos fazendo é errado, é ruim; ao contrário, recebemos 750 respostas positivas.
Cada um insistia em uma coisa: mais pesquisa no meio ambiente, ou esqueçam o meio ambiente e façam pesquisa para a indústria, ou então, façam pesquisa na universidade, e cada um “puxava” para o seu lado. Mas as respostas foram todas positivas. E também do Comitê Social. Não tivemos comentário do Parlamento Europeu porque era época de eleição. Após essas reações favoráveis, o plano de ação foi preparado e adotado e tudo isso foi comunicado ao Conselho Europeu.
- A estratégia envolve oito ações e para cada ação temos dois capítulos: o que a comissão vai fazer e o que a comissão pede que os Estados membros façam. Então, alguma coisa pode ser feita na Europa e outras coisas podem ser feitas de forma melhor nas regiões, Estados, nações, comunidades e assim por diante. Entre os oito grupos estão pesquisa, infraestrutura, educação, inovação industrial, todos os gargalos que podem desacelerar o desenvolvimento de uma tecnologia.
No passado, a Europa sofreu do que se chamava de “paradoxo europeu”. A Europa era a primeira a introduzir a ciência, mas não tecnologia; nós exportávamos idéias e importávamos tecnologia, por isso nosso povo pagava duas vezes. Os professores de faculdade faziam pesquisa e depois compravam tecnologia de outros países. E isso não é muito inteligente.
- Então, quais são os gargalos que temos para podermos produzir novas idéias, novos conhecimentos e, também, gerar tecnologia, empregos e riquezas? Porque a pesquisa gasta dinheiro para criar conhecimento e depois temos inovação industrial, ou seja, usar isso para criar riquezas e gerar empregos.
É isso que nós queremos fazer. Abordando outro ponto, integrando a dimensão da sociedade, cidadãos e suas preocupações. Nós gastamos dinheiro público e temos, então, o dever moral de consultar as pessoas, ver o que elas querem. Eu, por exemplo, tenho de convencer minha mãe que ela tem de pagar impostos da sua pensão para pagar professores, universidades, e ela me pergunta por que.
- De fato, se eu pude convencer minha mãe, posso convencer qualquer pessoa. E também saúde pública, e regulamentações, nano-entidades, por exemplo, se as leis atuais estão certas para nanotecnologia, e cooperação internacional e coordenação para tudo o que fazemos. Se olharmos a pesquisa rapidamente, teremos os números.
Esse programa está aí, inclui os outros países, 20 bilhões de euros estão sendo dedicados e uma parte disso foi para pesquisa em nanotecnologia. O plano de ação para a nanotecnologia não tem dinheiro próprio, mas ele usa dinheiro de outros programas e a integração envolve também outras linhas.
- Vocês devem entender que a situação é complexa. E é por isso (e não só para nanotecnologia) que inventamos a palavra governança. E governança é isso, estamos em uma situação que não é mais linear. Como fazer algo acontecer em uma situação que não é linear? Essa é a parte difícil. E uma das coisas, especialmente em nosso campo de nanotecnologia, é que temos de considerar tudo ao mesmo tempo e ter uma visão global.
Então, como os ecologistas dizem, pensar de forma global, agir de forma local e mudar de forma pessoal. Precisamos dessa visão global e também dessas abordagens integradas. E, para fazer isso, temos de ter todos os atores, todos os que estão interessados ao redor de uma mesa, para alcançar as metas que queremos. É muito complicado de dizer e muito difícil de fazer. Outros atores, a Comissão Européia, os países membros, universidades, bancos.
- O Banco de Investimento Europeu, o Fundo de Investimento Europeu e outros esquemas para pequenas e médias empresas. O Centro de Patentes da Europa, o Instituto de Normatização e assim por diante. Se quiserem saber quanto gastamos nos últimos anos, temos os contratos assinados. Então, não é o que vamos fazer, mas o que já fizemos.
São os contratos assinados em 2004 e 2005. Nós passamos de 30 milhões de euros para 45 milhões de euros ao ano, para 370 milhões em 2004, 450 milhões em 2005 e temos também outros contratos, além de novos projetos de pesquisa que estão sendo avaliados.
- O professor Juergen Altmann vai querer saber o que foi escolhido e são coisas muito interessantes. Eu posso dizer que toda proposta que analisamos sempre passa por uma revisão ética. Para cada proposta, se não houver questões éticas, tudo bem.
Mas quando houver algo que envolve seres humanos ou animais ou a vida em geral, ou privacidade, aí temos uma avaliação dupla: uma avaliação que é a normal, para alocar fundos públicos, e uma avaliação ética, para entendermos se está de acordo com os critérios que a Europa usa com respeito a limites éticos.
- E, no caso de tecnologias convergentes, quando começamos a “brincar” com neurônios, sinapses e outras coisas, é claro que a questão ética fica muito importante. Uma visão do que vai acontecer no futuro.
O professor Altmann mencionou nanotecnologia molecular e eu mencionei melhoria dos produtos atuais e bens atuais e, cada vez mais, vamos usar matéria. Hoje estamos trabalhando de cima para baixo, ou seja, vamos diminuindo o tamanho.
- No futuro, vamos trabalhar de baixo para cima, vamos começar com átomos e, aí, criar produtos. Para isso, precisamos de muita pesquisa e, mais uma vez (não estou aqui para falar só do potencial da nanotecnologia), os benefícios em potencial e os benefícios que já alcançamos são impressionantes. Alguns exemplos e projetos da nossa carteira de projetos: nanotubos, auto-organização da matéria, arquitetura super molecular, máquinas moleculares e, daqui a 30 anos, nano-robôs, se é que vão existir, porque ainda estão na parte da ficção.
Também córneas artificiais e sistemas de esfriamento de chips, coisas bem diferentes. Separação e recuperação de componentes e aqui vemos países como França, Suíça, diferentes países coordenando projetos desse tipo. É uma coisa que interessa a todos, esses estudos estão em todos os países, assim como o uso seguro de materiais, toxicologia.
- Um dos pontos-chave é que temos de fazer tudo isso antecipadamente. Temos de fazer estudos, entender o que estamos fazendo antes de fazermos. Não é esperarmos que aconteça um problema para depois estudarmos; ao contrário, temos de fazer esses estudos, essas pesquisas, otimizar tudo, alcançar resultados e entender os problemas.
Toda tecnologia tem problemas, pode ter problemas, porque não é a tecnologia, é o uso da tecnologia que causa problemas. Isso deve ser entendido desde o início. Com respeito a segurança e toxicologia, temos alguns projetos em andamento e temos selecionado novos. Aprovamos seis novos projetos, 12 milhões de euros.
- A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos gastou US$ 5 milhões por ano, nós aprovamos US$ 12 milhões em outubro de 2005. Isso além de reuniões e seminários, discutir ou ouvir sobre o que temos de fazer, o que é muito importante também.
E fazemos isso regularmente, não com tanta freqüência porque não podemos viajar muito, mas de vez em quando. E vemos as necessidades de pesquisa, desenvolvimento de instrumentos. Não sabemos, não temos instrumentos suficientes para mensurar nanopartículas.
- Sabemos que aqui, neste local do seminário, temos 20 mil nanopartículas por centímetro quadrado; na praia, 50 mil; na floresta, 100 mil nanopartículas. E sabemos que as nanopartículas são diferentes em seu potencial toxicológico. Por exemplo, se são sólidas ou líquidas, solúveis ou insolúveis, são diferentes.
É claro, temos de estudar o risco e estudar o risco significa estudar o perigo e a exposição. Se eu sei que, por exemplo, a luminária não está bem fixa e há o perigo, a possibilidade de a luminária cair, se eu não estiver debaixo da luminária, meu risco é zero. Se eu estiver sob a luminária, o risco existe.
- Se no primeiro andar houver gente dançando, o risco é mais alto. É isso o que temos de compreender. Hoje, não há evidência de que o que fazemos seja perigoso, da forma como estamos fazendo. Temos evidência toxicológica de que nanopartículas podem penetrar no corpo, fazer isso e aquilo, mas em condições que, hoje, não são realísticas.
Então, no momento, a primeira mensagem é que sabemos que não sabemos o suficiente, mas sabemos que aquilo que sabemos nos diz que a situação é encorajadora e não estamos fazendo nada errado. Não significa que temos de desacelerar. Temos de saber mais e mais.
- Com respeito aos riscos, eles devem ser estudados, mensurados e comunicados de forma pontual, para que as pessoas aceitem ou não aceitem. Não sou sociólogo, sou químico, mas compreendo que as pessoas aceitam o risco quando há um benefício importante.
Por exemplo, 10% de risco se houver 90% de possibilidade de uma grande melhoria. Só que isso deve ser dito, deve ser transparente, deve ser discutido. É importante que isso seja também colocado, para que tenhamos um debate público.
- Vocês podem ir para a internet a partir do dia 25 de outubro de 2005, vamos ter um press-release sobre a opinião da Comissão Européia para novos riscos e riscos emergentes. É uma opinião que estará na internet e haverá uma consulta pública durante três meses. Isto é de outra diretoria, a diretoria de Saúde e Proteção ao Consumidor, não é da minha área.
Agora, indo para a minha área, além de coordenar o que é feito na comissão, eu cuido da parte de pesquisa, como já disse. Temos um novo programa de pesquisa, o número é sete. São verbas dadas por alguns anos e temos a nanotecnologia e nanociências como prioridades. A comissão propôs um aumento muito grande no orçamento, 70 bilhões de euros no total.
- Os Estados membros já disseram que nunca vamos receber tanto dinheiro. Mas haverá mais pesquisas sendo feitas na Europa em nanociências e nanotecnologia, e vão receber verbas no futuro. Essa é a mensagem. Eu acho que, com isso, posso concluir.
Só quero dizer, de novo, que não fazemos apenas pesquisa conjunta restrita à UE. Abrimos as nossas pesquisas para quase todos os países do mundo, exceto com alguns países onde temos problemas políticos. Então, todos no Brasil podem realmente fazer pesquisa conjunta. Não só podem trabalhar junto, mas também podem receber verbas.
- Se tiverem interesse, podem também ter verbas, podem ir ao Programa Marie Curie, se você é pesquisador pode acessar. E temos também estágio de cinco meses em nossos escritórios, brasileiros podem também fazer estágio e ver como trabalhamos.
Somos abertos, não somos fechados. E temos pouquíssimos brasileiros trabalhando em nossos projetos. Portanto, minha proposta é realmente motivarmos reuniões de pesquisadores brasileiros e europeus. De 10 a 14 de outubro de 2005, foi feita uma avaliação disso e algo bom vai acontecer. Porque algumas das propostas envolvem a América Latina e tiveram notas muito favoráveis, e isso é importante porque meu trabalho é abrir a estrutura.
- Há autoridades que disponibilizam a verba; depois, é importante que alguém faça a ponte e esse é o meu trabalho, os interessados têm de saber quem querem conhecer, com quem vão ter a interface na Europa e no resto do mundo, para que haja um trabalho conjunto. A nanotecnologia poderá ser usada não só para matar pessoas e fazer coisas ruins, mas também para atender às metas da Declaração do Milênio.
Temos projetos agora para câncer e Aids, temos tratamento de água, sabemos que a maior parte das doenças vem por causa da água, e hoje não conseguimos limpar a água. Seria ridículo se não fosse dramático. A energia, a produção local de energia, fotossíntese e artificial, são coisas que podemos fazer e, por exemplo, se temos água nós sabemos que temos energia.
- Eu não quero entrar em outras áreas. Um dos pontos mencionados em nível internacional, a Comissão Européia propôs um código de conduta, e isso pode ser encontrado em todos os artigos; eu estou trabalhando pessoalmente nisso. Gostaria de agradecer a todos, à professora Magda Zanoni, ao professor Paulo Roberto Martins. Muito obrigado por seu convite a este seminário.
Olho Biônico