Metais Traço nas Águas de Superfície do
Porto da Cidade do Rio Grande (Estuário da Lagoa dos Patos)
Fabiana Gonçalves Barbosa
- O Porto do Rio Grande é o porto marítimo mais meridional do Brasil, localizado na margem oeste do Canal do Rio Grande. É o porto de melhores condições geográficas e de infra-estrutura para o escoamento de todo o Rio Grande do Sul e norte da Argentina (NIENCHESKI et al., 2000), sendo de grande importância para a economia do município, do Estado e do País, além de ser o terceiro porto mais importante do Brasil, atrás apenas dos Portos de Santos e do Rio de Janeiro.
A área hídrica portuária encontra-se enquadrada na Classe C das águas salobras (FEPAM, 1995), segundo a legislação ambiental brasileira (CONAMA, 1986). Na Classe C se enquadram águas destinadas à navegação comercial, à harmonia paisagística, à recreação de contato secundário.
- Em 17 de março de 2005, foi publicada pelo Diário Oficial da União uma nova resolução do CONAMA (Resolução n° 357), nessa nova resolução as águas salobras de Classe C são denominadas como águas salobras Classe 2.
O presente estudo teve como objetivo avaliar os teores de metais traço (Cd, Cu, Pb e Zn) na fração total em águas superficiais do Canal de Acesso ao Porto do Rio Grande.
Figura 1 – Localização da área de estudo
Material e Métodos:
Amostragem:
- Amostras de água superficial foram coletadas em 9 pontos dispersos na área do Canal de Acesso ao Porto do Rio Grande. Essas amostragens foram de janeiro a junho de 2000, totalizando 54 campanhas.
As amostragens foram realizadas em cada uma das condições hidrológicas enfocadas nesse presente estudo, conforme mostra a Tabela 1, resultantes da combinação entre dois regimes hídricos ocorrentes no estuário (enchente e vazante) e cada uma das 3 faixas de salinidade das águas superficiais do Porto de Rio Grande, definidas como sendo: salinidade de 0 a 5 – água doce; salinidade de 5 a 20 – água mixohalina; salinidade > 20 – água salina.
Parâmetros e Métodos:
- A temperatura da água, salinidade e pH foram determinados “in situ”, usando termômetro de mercúrio, salinômetro de indução e pH-metro respectivamente. O material em suspensão (MS) foi analisado pelo método gravimétrico e uso de filtros de acetato de celulose com 0,45µm de porosidade (Strickland e Parsons, 1972).
Para a determinação do teor total de Cd, Cu, Pb and Zn as análises foram realizadas usando espectrofotometria de absorção atômica (EAA) com atomização eletrotérmica em forno de grafite, após digestão ácida da amostra de água (APHA, 1989). O instrumento utilizado foi AAS5-ZEISS.
Regiões Amostradas:
- Para um melhor entendimento e interpretação dos dados, os pontos amostrados foram agrupados em três regiões ao longo do Canal de Acesso, conforme mostra a Figura 1: Região A – pontos de 1 ao 3, região norte do canal; Região B – pontos de 4 ao 6, região central do canal; Região C – pontos 7 ao 9, região sul do canal.
Análises Estatísticas:
- Para caracterização das águas superficiais foi aplicada estatística aos dados obtidos no estudo usando o software Statistica versão 5.1 através dos seguintes métodos: análise estatística descritiva e regressão linear simples.
Resultados:
Parâmetros Físico-Químicos:
- As Faixas de Salinidade da Água em dois diferentes Regimes Hidrológicos do Estuário e MS
- No mês de janeiro até março observa-se a presença de águas salinas, tornando-se, a partir de então, mixohalinas no período de outono e inicio de inverno quando um decréscimo muito importante foi evidenciado, baixando a salinidade para valores menores que 5, até o mês de junho, conforme mostra a Tabela 1.
- Tabela 1 - Datas das amostragens concretizadas para cada faixa de salinidade. Ao lado de cada data cita-se a direção do vento do dia da coleta.
Faixas de Salinidade :
- 0 a 5
- 5 a 20
- >20
Enchente
- 18.01.00 (SE)
- 25.02.00 (SE)
Vazante
- 27.06.00 (NE)
- 26.04.00 (N-NE)
- 30.05.00 (NO)
- 30.03.02 (NE-E)
(E= leste; NE = nordeste; NO = noroeste; N = norte; SE = sudeste)
O MS apresentou uma diferença entre os regimes de vazante (média de 19,92 mg.L-1) e enchente (média de 17,01 mg.L-1), conforme mostra a Tabela 2.
- Tabela 2 - Parâmetros estatísticos de média aritmética, mediana, mínimos e máximos de MS (mg.L-1) das águas superficiais do Porto do Rio Grande, nos regimes de enchente (E) e de vazante (V).
região:
N
- mediana
- média
- mínimo
- máximo
- média global
A
MS (E) B
C
- 6
- 6
- 6
- 11,00
- 24,02
- 20,60
- 13,23
- 19,28
- 18,53
- 7,60
- 3,60
- 8,60
- 24,80
- 33,20
- 28,80
- 17,01
A
MS (V) B
C
- 6
- 6
- 6
- 8,50
- 16,00
- 23,80
- 19,26
- 18,08
- 22,43
- 7,20
- 9,00
- 8,00
- 34,20
- 31,60
- 49,60
- 19,92
Temperatura e pH:
- Os maiores valores de temperatura ocorreram no regime de enchente, período de verão (média de 27,92 °C), com declínio no regime de vazante, período de inverno (média de 17,61 °C), conforme mostra as Tabelas 3 e 4.
Tabela 3 - Parâmetros estatísticos de média aritmética, mediana, mínimos e máximos de temperatura (°C) e pH das águas superficiais do Porto do Rio Grande, no regime de enchente.
região
N
- mediana
- média
- mínimo
- máximo
- média
- global
A
T B
C
- 6
- 6
- 6
- 24,00
- 24,00
- 24,50
- 35,28
- 24,00
- 24,50
- 23,00
- 24,00
- 24,00
- 25,00
- 24,00
- 25,00
- 27,92
A
pH B
C
- 6
- 6
- 6
- 8,00
- 8,05
- 8,10
- 8,01
- 8,08
- 8,10
- 7,70
- 7,70
- 7,80
- 8,30
- 8,60
- 8,50
- 8,06
Os resultados de pH evidenciam o caráter fracamente alcalino das águas no regime de vazante (média 7,81) e de enchente (média 8,06), conforme mostra as Tabelas 3 e 4.
- Tabela 4 - Parâmetros estatísticos de média aritmética, mediana, mínimos e máximos de temperatura (°C) e pH das águas superficiais do Porto do Rio Grande, no regime de vazante.
Região:
N
- mediana
- média
- mínimo
- máximo
- média global
A
- T B
- C
- 6
- 6
- 6
- 18,50
- 17,50
- 18,50
- 17,58
- 17,25
- 18,00
- 14,00
- 14,00
- 14,00
- 21,00
- 20,00
- 21,00
- 17,61
A
pH B
- C
- 6
- 6
- 6
- 7,85
- 7,97
- 8,04
- 7,66
- 7,86
- 7,93
- 6,50
- 7,31
- 7,45
- 8,22
- 8,19
- 8,18
- 7,81
Metais Traço nas Águas de Superfície do
Porto da Cidade do Rio Grande (Estuário da Lagoa dos Patos)
Metais Traço:
- O Cd apresentou uma variação média de 0,13 a 0,17 mg.L-1 nos regimes de enchente e vazante, respectivamente. Para o Cu foi observado um aumento de 1,88 mg.L-1 (enchente) para 3,25 mg.L-1 (vazante). O Pb variou, em média, de 1,02 em enchente a 1,75 mg.L-1 vazante. Ao contrário dos outros elementos, Zn teve sua maior média no regime de enchente de 8,5 mg.L-1 em relação ao regime de vazante de 6,08 mg.L-1.
Espacialmente, as maiores concentrações de metais traço ocorreram na Região A (0,17 µg.L-1 de Cd, 1,57 µg.L-1 de Pb e 7,77 µg.L-1 de Zn), com exceção ao Cu, onde a maior foi observada na Região B (4,35 mg.L-1 de Cu), conforme mostra a Figura 2.
Figura 2 – Distribuição do Cd, Cu, Pb e Zn (fração total)
nas regiões de estudo do Porto do Rio Grande.
- Em uma subseqüente análise, a relação dos metais traço com a salinidade foi conduzida usando análise de correlação linear, conforme mostra a Figura 3. As concentrações de Zn mostraram-se baixas relações com a salinidade, enquanto que as de Cd, Cu e Pb foram positivamente relacionadas com a salinidade.
Figura 3 - Metais na fração total em função da salinidade.
Discussão:
Parâmetros Físico-Químicos:
- Os valores de salinidade, temperatura (T) e pH foram semelhantes aos obtidos em outros estudos realizados na região estuarina (WINDOM et al., 1999; NIENCHESKI & BAUMGARTEN, 2000; DIAS, 2002; PEREIRA, 2003).
Os resultados de MS apresentam-se dentro da faixa de concentração considerada normal para esse estuário (NIENCHESKI et al., 1999; WINDOM et al.,1999). As altas concentrações de MS ocorreram na presença de águas doces, conforme mostram as Tabelas 1 e 2, que podem ser atribuídas a alta carga de MS das águas oriundas do norte da lagoa, que escoam intensamente pelo canal (CALLIARI & ANTIQUEIRA, 2005). Nas Regiões, as menores concentrações de MS associaram-se significativamente às maiores salinidades, conseqüência de que a água salgada é pobre em suspensões.
Metais Traço – Regime de Enchente e Vazante
Vazante:
- Ocorreram as maiores concentrações de Cd, Cu e Pb, conforme mostra a Figura 2. A positiva correlação destes metais com a salinidade, conforme mostra a Figura 3 evidencia mais elementos metálicos neste regime hídrico, que geralmente predomina no inverno, quando o nível da Lagoa é geralmente mais alto, dificultando a entrada da água costeira e resultando na predominância de águas de baixa salinidade (MÖLLER et al., 2001).
Enchente:
- Houve maior diminuição de Cd, Cu e Pb, conseqüência da maior dispersão dos poluentes favorecida pela entrada da água marinha. A ausência nas águas por Zn manteve-se, entretanto, ao contrário, observou-se que os valores máximos ocorreram neste regime, refletindo a presença de forma fraca de aportes antrópicos deste metal, conforme mostra a Figura 2, uma vez que ocorreu a independência da concentração de Zn com a salinidade, conforme mostra a Figura 3.
Uma fonte antrópica de Zn que pode ser representativa é o deflúvio superficial urbano (“runoff” urbano) que, em geral, contém poluentes que se depositam na superfície do solo (Al, Mn e Zn) (JESUS et al., 2004). Além disso, metais associados ao desgaste de lonas e freios ou outros componentes do solo, podem acumular-se nas ruas, valas, bueiros, sendo então arrastados para os cursos d’água. Outra problemática refere-se à poluição veicular, além do Fe outros elementos estão presentes na composição natural dos combustíveis, e muitos destes (Zn, Mg, Ca) são utilizados como aditivos da gasolina e do óleo do motor para evitar a oxidação e auxiliar a lubrificação, sendo liberados para a atmosfera através dos gases de exaustão dos veículos.
- Assim sendo, as contribuições metálicas de Zn associadas a este regime de amostragem podem estar relacionadas ao acúmulo de partículas no solo ao longo do tempo, decorrente do uso da auto-estrada que conta com tráfego intenso e com a ocorrência de chuvas podem carrear estas partículas para o meio aquático.
Metais Traço – Regiões Estudadas:
Região A:
- Engloba as instalações do Porto Novo e a entrada do Saco da Mangueira na margem oeste do Canal de Acesso e na margem leste a cidade de São José do Norte (cerca de 27.000 habitantes). Esta região recebe maior aporte dos efluentes doméstico, pluvial e misto através do Saco da Mangueira e efluentes pluviais (LAGO et al., 2004; ALMEIDA et al., 1993) juntamente com a influência significativa de atividades portuárias nesta região.
Região A apresenta, teoricamente, uma taxa de renovação de água menor do que as Regiões B e C, por estar mais afastado do Oceano Atlântico. Isto indica um elevado aporte de água doce e uma baixa mistura com a água mais salina. O maior tempo de residência das águas propicia a retenção dos elementos lançados na nesta região.
- As médias das concentrações de Cd, Pb e Zn foram altas, conforme mostra as Figura 2, estes resultados indicam a contribuição antrópica de metais pesados para as águas superficiais na Região A.
VARMA (2000) citam os esgotos domésticos como fonte de Cd para o ambiente aquático. As águas da entrada do Saco da Mangueira são receptoras do principal efluente doméstico (Sistema Centro) da cidade, sendo que este atende cerca de 20.000 residências, o qual é lançado de forma ininterrupta (BAUMGARTEN et al., 1998).
- O Zn é um dos elementos mais abundantes em esgotos domésticos (SALOMONS & FÖRSTNER, 1984). Além desta fonte potencial de Zn para estuário, pode ser citada também a lixiviação das bacias de drenagem (VARMA, 2000). Além disso, próximo à área portuária pode-se encontrar outras prováveis fontes, tais como resíduos resultantes da deteriorização de ligas metálicas da construção civil (visto que o Zn pode ser encontrado em tintas e pigmentos) e de estruturas metálicas galvanizadas, onde o Zn é usado como uma camada protetora em superfície de ferro para prevenir a corrosão (VARMA, 2000).
Região B:
- Em torno desta região existem atividades portuárias e industriais (fertilizantes, extração e refino de óleos vegetais) que podem ser considerada como uma fonte de metais para as águas marginais (NIENCHESKI & BAUMGARTEN, 2000).
A média da concentração de Cu foi alta, apresentando os maiores valores em relação às outras regiões estudadas, conforme mostra a Figura 2. De acordo com Baisch (1987), as indústrias de fertilizantes também contribuem através dos resíduos minerais resistentes ao tratamento industrial de rochas fosfatadas, utilizadas na fabricação de fertilizantes.
Região C:
- Possui grande renovação das águas devido à proximidade com oceano e teoricamente sem aporte de efluentes (LAGO et al., 2004; ALMEIDA et al., 1993). A Região C pode ser considerada relativamente limpa, conforme mostra a Figura 2, em função da hidrodinâmica da região.
Conclusão:
- Os resultados mostraram que a qualidade das águas superficiais do Porto do Rio Grande é diferente para os dois regimes hidrológicos (vazante e enchente) e regiões (A, B e C). A entrada de água marinha, livre de contaminantes, favoreceu a diluição elementos metálicos. Enquanto que entre as regiões, a Região A por estar mais afastada do oceano, apresentou maiores concentrações. Todos os valores de Cd, Pb e Zn estiveram abaixo dos limites máximos pela legislação vigente
Referências:
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BAUMGARTEN, M.G.Z., AZNAR, C.E., ROCHA, J.M., ALMEIDA, M. T., KINAS, P.G. Contaminação química das águas receptoras do principal efluente doméstico da cidade do Rio Grande (RS). Atlântica, FURG, v. 20, p. 35-54, 1998.
CALLIARI, L.J. & ANTIQUEIRA, J.A.F. Características sedimentares da Laguna dos Patos. Gravel, Porto Alegre, 3, p. 39-46, 2005.
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CONAMA. Resolução número 357, de 17 de março de 2005 (D.O.U. de 18.03.05). Decreto nº. 99.274 de 6 de junho de 1990.
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FEPAM. Portaria SSMA n.7. Norma técnica 003/95. Enquadramento dos recursos hídricos da parte sul do estuário da Lagoa dos Patos. Diário Oficial da União, 24 de maio 1995.
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LAGO, C., BAUMGARTEN, M.G.Z., MILANI, I.C.B., NIENCHESKI, L.F.H. Identificação dos pontos de lançamento de efluentes no Canal do Norte e Canal do Rio Grande (estuário da Lagoa dos Patos/RS). In: III Mostra de Produção Universitária, 2004, Rio Grande. Cd de resumos, Rio Grande: FURG, 2004.
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Metais Traço nas Águas de Superfície do
Porto da Cidade do Rio Grande (Estuário da Lagoa dos Patos)