segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O desafio empresarial para a sustentabilidade e as oportunidades da educação ambiental

O desafio empresarial para a sustentabilidade e as
oportunidades da educação ambiental

Philippe Pomier Layrargues
“Podemos perceber atualmente, não apenas nas sociedades ocidentais, um movimento de revalorização do papel das empresas. Esse movimento se deve, em grande medida, à ‘confirmação’ do capitalismo como a ‘única’ via capaz de promover o desenvolvimento econômico e a crescente legitimação da ideologia neoliberal, em que o econômico assume o papel predominante e subordina todas as demais esferas da vida social..” (Freitas, 2000)
A crise ambiental: 
Como um duplo desafio à reprodução do capitalismo:
  • O panorama catastrofista do Clube de Roma, que descreve no relatório “Os Limites do Crescimento” (Meadows et al, 1978) o iminente esgotamento dos recursos naturais, apresenta um cenário de declínio das condições de produção capitalista, materializado pela escassez de recursos naturais e pela abundância de poluição. 
Isso quer dizer que tanto na entrada como na saída do metabolismo industrial, as condições de produção capitalista, que desde sua constituição estão baseadas num processo de expansão ilimitada do capital assentada numa base limitada de recursos, são desafiadas pela magnitude e abrangência da crise ambiental. 
  • Mas além desse visível desafio da continuidade material das condições de produção capitalista, o setor produtivo se depara também com outro desafio imposto pela crise ambiental, mas dessa vez de caráter político: a manutenção do princípio liberal da não intervenção do Estado no Mercado, no contexto democrático, que no cenário de uma crise ambiental, fica exposto à intervenção governamental para gerir o metabolismo industrial moderno, que apresenta sinais de não conseguir controlar seu ímpeto voraz. 
A fim de se evitar que o Mercado mergulhe a sociedade contemporânea numa crise ambiental sem precedentes, o risco é, na pior das hipóteses, da instauração de um eco-autoritarismo, ao estilo descrito por Ophuls (1977) ou, na melhor das hipóteses, de um controle social democrático das atividades produtivas. 
  • Nesse sentido, a crise ambiental não é uma questão apenas de ordem ética que diz respeito à interface Sociedade e Natureza, ela também é uma questão de ordem política que diz respeito à interface Mercado e Estado. 
Por isso Dupuy (1980) vê a crise ambiental em geral e a poluição industrial em particular como uma ameaça à reprodução do capitalismo. No marco da economia neoclássica, que sustenta a premissa de que as ‘externalidades ambientais’ da produção são decorrentes de ‘falhas de mercado’ devido à incompleta privatização dos recursos naturais – desconsiderando as relações sociais produtivas e mercantis que acarretam na exploração dos recursos natural e humano –, o desafio do capitalismo no cenário de uma crise ambiental está na possibilidade do Estado exercer um certo grau de planejamento ou controle sobre as condições de produção, limitando a liberdade da livre iniciativa, na tentativa de controlar a degradação ambiental originada nas atividades produtivas. 
  • Prevendo a ingerência do Estado sobre o Mercado, a resolução do impasse favorável à manutenção do sistema vigente, foi encontrar uma solução na própria esfera do Mercado: a urgente criação de um ecocapitalismo, um modelo de organização produtiva capaz de integrar na sua lógica o constrangimento ambiental. 
Existe um risco potencial de ameaça às condições de reprodução do capitalismo porque no reino da escassez de recursos naturais e abundância de poluição, o setor produtivo é o maior prejudicado pela crise ambiental, pois são acionados mecanismos regulatórios governamentais para coordenar o uso adequado dos recursos, enquanto a mão invisível do mercado tateia no escuro. 
  • A questão ambiental na ótica da atividade produtiva é de fato uma questão de sobrevivência, mas não da natureza, da humanidade, ou mesmo da empresa, mas do livre mercado e da competitividade como mecanismo de regulação da sociedade. A empresa, de agora em diante, terá que se preocupar com a questão ambiental, não apenas por filantropia ou responsabilidade social, mas para continuar a operar nos moldes da produção capitalista.
Negociações entre Mercado e Estado: 
Em torno da responsabilidade ambiental 

O cenário brasileiro assiste, desde 1975, a um processo gradual de internalização da pauta ambiental na empresa, que compreende três fases distintas:
  • A fase da integração compulsória, de 1975 a 1992, quando predominou a tendência das normas ambientais compulsórias estabelecidas unilateralmente pelo Estado para a adequação das empresas ao constrangimento ambiental; 
  • A fase transitória, de 1992 a 1997, quando ocorreu o processo de diálogo e negociação entre empresariado e órgãos governamentais em busca de estratégias mais realistas para a iniciativa privada adequar-se ao constrangimento ambiental; e 
  • A fase da integração voluntária, de 1997 em diante, quando predomina a tendência das normas ambientais voluntárias para a empresa assumir a pauta ambiental
Se na fase de integração compulsória (reativa) a internalização da pauta ambiental na empresa ocorreu por meio de processos externos à lógica do mercado, como a rigorosa legislação ambiental, a influência das entidades ambientalistas e das comunidades residentes no entorno das unidades produtivas agindo como grupos de pressão; a fase de integração voluntária (pró-ativa) ocorreu por meio de processos internos ao mercado, como o papel desempenhado pelo consumidor verde, pelos acionistas, pelas seguradoras, e evidentemente, pela própria competitividade empresarial numa era onde a produção limpa se torna politicamente correta. 
  • O ano de 1975 demarca o início da tentativa de ajustar a economia ao imperativo ecológico, ou seja, equilibrar o crescimento econômico com a proteção ambiental, por causa do II Plano Nacional de Desenvolvimento (Decreto n o 76.389/75), que contempla, entre outras diretrizes, o condicionamento da aprovação de projetos industriais a normas anti-poluição. 
Nesse sentido, o convite do governo brasileiro, feito em 1972 durante a Conferência de Estocolmo, às indústrias dos países desenvolvidos para que se instalassem no Brasil, pois aqui ainda era permitido poluir, não teria validade por mais de três anos. A partir de 1975 alterou-se repentinamente a opinião pública e a prática oficial em relação à poluição: a benevolência cedeu lugar à intolerância. 
  • É importante destacar o surgimento nessa época de uma política de controle da poluição industrial, cuja competência seria de exclusividade governamental. Esta regulamentação, sob a lógica do ‘Comando e Controle’ assumia um caráter compulsório, ou seja, o desacato às normas seria uma desobediência meritória de punição com multa e interdição. 
O Mercado não teria outra opção que curvar-se ao Estado, obedecendo as determinações e restrições impostas pelos órgãos governamentais de controle ambiental. Em decorrência dessa estratégia, a década de 80 assiste à formulação unilateral de diversas leis e decretos que estabeleceram normas e padrões ambientais para a atividade produtiva. 
  • Subentende-se que, diante da crise ambiental, o Estado também representaria o legítimo e qualificado agente regulador da economia, capaz de ordenar e harmonizar o comportamento do Mercado de acordo com os interesses coletivos. Inúmeros autores avaliam que a legislação ambiental atuou como um dos maiores incentivos para a internalização da pauta ambiental na empresa. 
Donnaire (1999) enfatiza inclusive que as normas ambientais chegaram a influenciar até mesmo a estrutura organizacional das empresas, que passaram a criar setores ou departamentos de meio ambiente, isolados ou vinculados a departamentos de qualidade ou segurança no trabalho. 
  • Entretanto, pressionados pelos prazos exíguos de ajustamento da conduta ambiental empresarial impostos pelo Estado, e temendo as consequências econômicas das infrações às normas, os setores ou departamentos ambientais recém criados nas empresas, não conseguiam, isoladamente, negociar prazos mais longos ou ainda, propor alternativas à natureza compulsória da regulamentação. 
Nesse sentido, na tentativa de solucionar essas dificuldades de diálogo com o governo, consolidam-se algumas associações empresariais cujo propósito maior estaria na tarefa de articulação da pauta ambiental na empresa. Inspiradas e apoiadas inicialmente pelo Business Council for Sustainable Development e outras agremiações empresariais internacionais – que fundamentam suas matrizes discursivas na convicção da necessidade de integração da economia à ecologia, e consolidam suas práticas na demonstração de casos exemplares da viabilidade de transformar a variável ambiental em fonte de lucro e oportunidades de negócio –, surgem no Brasil agremiações empresariais voltadas à variável ecológica. 
  • Assim foi criado, em 1997, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), um respeitado interlocutor no processo de negociação das estratégias de internalização da pauta ambiental na empresa. Surge assim a fase de transição que se caracteriza pela criação do novo agente social representante do setor empresarial: o ambientalismo empresarial. 
Este ator facilitaria, por meio de seus interlocutores qualificados, a negociação entre a empresa e os órgãos governamentais de controle ambiental para formulação de novas estratégias e prazos para a adequação do setor produtivo ao constrangimento ambiental. Essa fase de transição se inicia em 1992, por ocasião da realização da Conferência do Rio, quando foi apresentada a proposta de criação de um grupo de trabalho da International Organization for Standardization (ISO) para estudar a elaboração de normas de gestão ambiental empresarial. 
  • Ganha fôlego a partir de 1993 quando instala-se o Comitê Técnico TC-207 para criar a série ISO 14000, e consolida-se em 1996 quando as normas ambientais ISO 14000 são finalmente oficializadas. Em paralelo, as inovações tecnológicas trazem novas perspectivas de enfrentamento da crise ecológica. 
Assim que as tecnologias limpas de segunda geração (Clean Technologies) substituem as tecnologias de primeira geração (End-of-Pipe), apresentando possibilidades de sanar grande parte dos problemas ambientais no âmbito produtivo – dessa vez com viabilidade econômica –, um novo panorama desponta: a criação de normas ambientais voluntárias, não impositivas, a exemplo da ISO 14000, que não apenas servem de estímulo para as empresas se adequarem ao constrangimento ambiental, como também são o novo fiel da balança da competitividade empresarial. 
  • As normas ISO 14000 institucionalizam, no âmbito internacional, a estratégia de internalização da pauta ambiental na empresa segundo outro mecanismo de incentivo, diferente daquele da legislação ambiental. Agora, o incentivo viria pelo próprio Mercado, conforme rege a doutrina liberal, baseado no critério da competitividade. 
A demanda do setor empresarial foi aceita pelo Estado, e as normas ambientais voluntárias entram em cena para regular a interface da empresa com o meio ambiente. A confiança do ambientalismo empresarial em torno da ISO 14000, afirmando que a inclusão do tema ambiental no planejamento estratégico permite às empresas a diminuição da vulnerabilidade e a obtenção de vantagens competitivas, cumpre também a função de mostrar o caminho para a própria atividade produtiva poder internalizar a pauta ambiental adequadamente. 
  • Donnaire (1999) afirma que a criação de associações empresariais que atuam na esfera ambiental, a exemplo da Abiquim e Anfarma, as quais poderíamos ainda acrescentar a CNI e o CEBDS, propicia o efeito multiplicador da "boa nova" que é a oportunidade de negócios a partir da internalização da pauta ambiental na empresa. 
Parece sensato interpretar a criação dessas organizações corporativas como instâncias políticas qualificadas e preparadas para a negociação com o poder público em torno da criação de políticas públicas de regulamentação das normas ambientais. 
  • Podemos supor que essas agremiações empresariais cumprem acima de tudo, a função ideológica de manter intacta a idéia de competição. Publicações de relatórios descrevendo a performance ambiental das empresas associadas ao CEBDS, prêmios concedidos pela Confederação Nacional da Indústria a empresas corretas do ponto de vista ambiental e, por fim, a própria certificação ambiental da ISO 14000, além do efeito multiplicador para o próprio Mercado, cumprem também o propósito de mostrar ao Estado, através de casos exemplares, que a atividade produtiva possui os meios necessários para internalizar a pauta ambiental na empresa por intermédio de um processo voluntário, não mais compulsório. 
Mas a transição das normas ambientais compulsórias para as normas ambientais voluntárias estaria finalmente completa no Brasil somente a partir do momento em que o Estado sinalizasse positivamente, reconhecendo ser essa uma estratégia válida para o poder público. 
  • Tal fato ocorreu em 1998, quando o então ministro do meio ambiente afirma que "descobre-se, finalmente, que o investimento em qualidade ambiental, por dentro e por fora da empresa, robustece os ganhos de produtividade e de competitividade da indústria brasileira." (Layrargues, 1998).
Nesse sentido, é lícito reconhecer que as normas ambientais voluntárias inicialmente vieram ao mundo não exatamente por uma questão de responsabilidade social filantrópica do setor produtivo, mas como uma reação à crescente pressão dos órgãos públicos de controle da poluição. 
  • O Sistema de Gestão Ambiental corresponde a uma resposta do Mercado ao Estado para impedir que a livre iniciativa fosse perturbada pela intromissão do governo, regulando a economia por causa da crise ambiental. Convém frisar que o ambientalismo empresarial parte do pressuposto de que o livre mercado competitivo reúne as condições ideais e irrefutáveis para a solução de qualquer constrangimento que o capitalismo se depare. 
Desponta nessa conjuntura, a pauta ambiental como sinônimo de competitividade, onde o ambientalismo empresarial frisa que a empresa que não assumir essa idéia como princípio corporativo, estará fora do mercado, seja porque o consumidor exigiria cada vez mais a responsabilidade ambiental das empresas; seja porque os acionistas e as seguradoras não estariam mais dispostos a assumirem riscos que comprometam a rentabilidade nos investimentos efetuados, por causa do passivo ambiental ou do caráter poluidor da empresa, prejudicando sua imagem. 
  • Nesse sentido, as matrizes discursivas do ambientalismo empresarial revelam as táticas assumidas para a concretização da estratégia: "aquele que não assumir a pauta ambiental, invariavelmente cedo ou tarde será excluído do mercado", e "o verde é negócio, ou seja, a pauta ambiental deixa de ser um risco aos negócios para se tornar o critério de vantagem competitiva perante a concorrência". O discurso do ambientalismo empresarial apresenta duas mensagens, aparentemente contraditórias, mas na verdade, dirigidas a dois destinatários diferentes: ao Estado e ao próprio Mercado. 
A mensagem dirigida ao Estado sinaliza que a empresa que não internalizar a pauta ambiental cedo ou tarde será retirada do mercado, pela exclusão competitiva promovida pelo consumidor verde, acionista ou seguradora; portanto, o Mercado já pode cuidar disso sozinho sem o "incentivo" do Estado, que agora pode retirar-se de cena. Já a mensagem dirigida ao Mercado sinaliza a existência de oportunidades únicas de negócio para a empresa que sair na frente, a exemplo da conquista de novos mercados, da redução de custos e melhoria da imagem institucional. 
  • Em paralelo, o marketing ecológico se encarrega de executar sua tarefa clássica, em forjar demandas e criar necessidades na população, onde o Mercado dialoga com a Sociedade lançando o apelo pela preferência ao politicamente correto consumo verde. 
Deduz-se dessa lógica que a estratégia política do ambientalismo empresarial, paralela ao desenvolvimento de novas tecnologias, está assentada no deslocamento do eixo do circuito Mercado-Estado-Sociedade, de uma posição altamente ameaçadora da livre iniciativa, para uma posição mais flexível: assim procedendo, desloca o agente regulador dos órgãos governamentais de controle ambiental do Estado para o próprio Mercado, com o compromisso de realizar auditorias ambientais para avaliar a qualidade dos Sistemas de Gestão Ambiental. 
  • Visa atenuar a pressão regulatória do Estado sobre o Mercado, que em última análise, corresponde à manutenção da ideologia neoliberal. 

O desafio empresarial para a sustentabilidade e as
oportunidades da educação ambiental

Ecoeficiência como a síntese do ecocapitalismo:
  • Esse é o "x" da solução apresentada pelo ambientalismo empresarial, para trilhar a compatibilização entre o crescimento econômico ilimitado a partir de uma base finita de recursos, a esperada convergência entre a pauta econômica e ecológica. A questão é que no meio desse percurso, aquele binômio degradação x equilíbrio ambiental da síntese ambientalista, foi substituído por outro, antigo conhecido das teorias econômicas: a escassez x abundância. 
O novo binômio agora a ser equacionado pela síntese ecocapitalista, está na regulação da escassez e abundância, tendo como critério para regulá-lo, a ecoeficiência no combate ao desperdício desse metabolismo industrial. Cumpre assinalar que de acordo com Hawken et al (1999), para cada quatro quilos e meio de produtos industrializados nos EUA, gera-se pelo menos uma tonelada e meia de resíduos. 
  • Isso significa que o metabolismo industrial norte-americano é mais eficiente em gerar lixo do que bens, pois cerca de 99,7% do que os EUA retiram da natureza e transportam para a antroposfera segue direto para os depósitos de resíduos, sem qualquer utilidade ao ser humano. Meadows et al (1992) complementam esse impressionante dado lembrando que para cada tonelada de lixo gerado no pós consumo, vinte toneladas de lixo são geradas ainda na extração dos recursos e cinco toneladas de lixo são geradas durante o processo de industrialização. 
Portanto, o elemento viabilizador dessa estratégia parece estar assentado na lógica da ecoeficiência: produzir melhor, com menos insumos, menos desperdício e menos impacto ambiental (DeSimone & Popoff, 1997). 
  • Ao invés de diminuir o ritmo da deglutição do metabolismo industrial, a solução proposta pelo ambientalismo empresarial foi a de melhorar a digestão do metabolismo industrial. Tanto o reino da escassez de recursos naturais como o reino da abundância de dejetos, resíduos e poluição, passariam agora a receber maior atenção da ecoeficiência. 
Ocorre que o surgimento do conceito e da prática da ecoeficiência não foi derivado exclusivamente em função da nova subjetividade ecológica, mas, foi resultado da tendência natural do desenvolvimento tecnológico em conservar energia e recursos naturais, conforme a própria Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (1995) reconhece. 
  • Apenas quando a questão ambiental emergiu como um grave problema no âmbito produtivo, é que essa dinâmica inercial adquiriu contorno diferente, e passou a ser rotulada como ecoeficiência. Evidentemente, a existência desse mecanismo só se tornou possível devido ao fato da criação de novas mercadorias, a exemplo do alguns elementos do lixo, que por intermédio da reciclagem, faz a engrenagem se movimentar na direção proposta pelo ambientalismo empresarial. 
Alguns elementos do lixo podem atualmente ser reciclados em escala industrial porque adquiriram um valor de troca enquanto mercadoria. É necessário frisar aqui, que o condicionamento da criação de novas mercadorias antes consideradas ‘externalidades ambientais’ está diretamente vinculado à tendência de sua internalização, corrigindo as tão criticadas ‘falhas de mercado’, na medida em que a valoração econômica da natureza 3 consolida a contabilidade ambiental.
  • A questão é que o setor produtivo vê na crise ambiental um fator limitador do caráter expansionista do capitalismo, o que poderia acarretar em medidas restritivas do livre mercado por meio do planejamento e da regulação estatal das atividades produtivas. 
Então, em termos políticos, a propaganda em torno da ISO 14000 em geral e da reciclagem em particular, significa a divulgação da mensagem do Mercado dirigida ao Estado, de que não será mais necessária a criação de mecanismos coercitivos para regular a atividade produtiva, o que se configuraria na intervenção nas leis de mercado, já que o próprio Mercado teria encontrado os meios de enfrentamento dos constrangimentos ambientais no âmbito produtivo. 
  • E em termos ideológicos, o paradigma da ISO 14000 em geral, e da reciclagem em particular, representa o anúncio da possibilidade de superação da contradição capitalista baseada no modelo de crescimento econômico exponencial sobre uma base limitada de recursos. 
A partir da questão ambiental, portanto, as forças sociais dominantes – o setor produtivo – conseguiram impedir a manifestação da diversidade subversiva – o movimento ambientalista original –, preservando assim, a ordem social instituída. Foi promovida uma ação de caráter reformista, enquanto se difunde a ilusão de vivermos uma era de mudanças, que desembocará no desenvolvimento sustentável (Layrargues, 1998). 
  • É provável que na lógica do capital, a ecoeficiência seja o bom caminho para a competitividade empresarial concomitante à internalização da pauta ambiental. Mas o desafio não é saber apenas onde está a competitividade da empresa com responsabilidade ambiental, mas sim saber como torná-la de fato eficaz, sem a interferência do Estado regulando a atividade produtiva. 
Um primeiro e crucial problema se coloca para aqueles que acreditam na fórmula da eficácia do Mercado para gerir o constrangimento ambiental: por enquanto, por mais que alguns insistam em afirmar o contrário, o consumidor verde no Brasil ainda é uma incógnita, não sabemos sequer se ele existe de fato e em qual proporção (Layrargues, 2000). 
  • Segundo Crespo et al (1998) as próprias lideranças do ambientalismo empresarial manifestam opiniões divergentes quanto ao consumidor verde, pois enquanto uns creem que em breve teremos um volume significativo de consumidores verdes agindo no Mercado, outros acreditam que essa tendência não se concretizará tão cedo. 
Como então, na ausência desse importante ator do Mercado, garantir a substituição dos mecanismos regulatórios compulsórios pelos voluntários? Outro desafio está contido no próprio contexto discursivo, que faz alusão à sobrevivência das empresas do Mercado caso não assumam o constrangimento ambiental. 
  • Pelo que se tem notícia, nenhuma empresa foi suprimida do mercado pela exclusão competitiva sinalizada pelo ambientalismo empresarial, a não ser nos casos de ameaça onde se utilizam os subterfúgios das barreiras alfandegárias não tarifárias para impedir a competição internacional, impedindo empresas concorrentes de acessarem outros mercados externos. 
Dados recentes da ISO World 4 , entidade que sistematiza informações sobre o panorama mundial das normas ISO, indicam que em janeiro de 2002 havia 36.001 empresas certificadas no mundo, sendo que o Brasil ocupava o 21º lugar no ranking, com apenas 330 empresas certificadas, enquanto que o Japão, primeiro na lista, possuía 8.169 certificados concedidos. 
  • Se a ISO 14000 tem sido entendida no Brasil como sinônimo de competitividade, é de se estranhar o pequeno número de empresas certificadas no país, que por ter sido um dos poucos a participar da implementação das normas ISO 14000, teve a oportunidade de disseminar a norma ainda antes de sua instituição, a tempo das empresas brasileiras se prepararem com antecedência. Menos desprezível é o fato das pequenas e médias empresas ainda representarem o maior gargalo da internalização da pauta ambiental no setor produtivo. 
Esses fatos representam indicadores de que a prática das empresas ainda não é coerente com o discurso do ambientalismo empresarial. A promessa ainda não foi cumprida. Há um visível descompasso entre o que se diz e o que se faz, e nesse sentido, o fator tempo parece que será o grande divisor de águas para o estabelecimento da estratégia futura da internalização da pauta ambiental na empresa: por quanto tempo mais o Estado tolerará a contradição do Mercado? 
  • Por quanto tempo mais a Sociedade assumirá a responsabilidade pela internalização da pauta ambiental na empresa? O desafio empresarial para a sustentabilidade não é apenas a internalização da variável ambiental na empresa, mas sobretudo, a velocidade desse processo. A questão do ritmo de enquadramento parece ser mais importante do que a própria internalização da pauta ambiental. 
O ponto nevrálgico que precisa ser discutido é a velocidade em que o setor produtivo como um todo se dirige a esse caminho. Essa questão é crucial porque a continuidade da estratégia da regulamentação voluntária dependerá do ritmo da engrenagem funcionar por conta própria. 
  • O que existe, por enquanto, são alguns exemplos de empresas que se adequaram à pauta ambiental. E dada a diminuta expressividade delas em termos proporcionais, configuram-se como a exceção à regra. O fato é que a velocidade de internalização da variável ambiental na empresa pela via do Mercado é determinada unicamente em função da capacidade de transformação dessa variável em mercadoria. 
Porém, a lentidão do Mercado pode acabar expondo o setor produtivo como um todo a um conflito político-ideológico de significativa envergadura, na medida em que o Mercado, que tem negociado prazos alongados para adequação desse constrangimento com o Estado por quase duas décadas, não teria conseguido cumprir com seu compromisso. 
  • Não é possível prever perspectivas ou tendências futuras da reversão desse quadro, mas talvez não seja exatamente o futuro da empresa que se encontra ameaçado, pois provavelmente a resistência da empresa em incorporar a pauta ambiental não vai excluí-la do mercado, nem afetar a sua sobrevivência. 
Mas sim, vai expor todo o sistema produtivo ao risco da interferência governamental no mercado, regulando a produção para atingir patamares satisfatórios de performance ambiental. Nesse cenário, frente a um fracasso da regulamentação voluntária, a regulação compulsória poderia voltar à cena. Pela argumentação exposta, nada justifica que ocorra atualmente uma substituição das normas ambientais compulsórias pelas voluntárias. 
  • O que parece ser mais sensato, por enquanto, é a convivência entre ambas, até que de fato se complete a transição, quando a ecoeficiência estiver funcionando a pleno vapor e demonstre que o metabolismo industrial encontrou seu ponto de equilíbrio tanto na entrada como na saída do sistema. 
Tais considerações a respeito do enquadramento teórico do setor produtivo em relação à questão ambiental evidenciam a dimensão do desafio empresarial para alcançar a sustentabilidade no âmbito produtivo. 

Oportunidades da educação ambiental nas empresas: 

A partir das reflexões acima efetuadas, fica implícito reconhecer alguns elementos indispensáveis para o planejamento de programas de educação ambiental no âmbito do setor produtivo, auxiliando o desafio empresarial da sustentabilidade: 
  • O papel estratégico da educação ambiental adquire nítida visibilidade. A ação educativa ganha um foco privilegiado, que gira em torno da disseminação do critério da ecoeficiência, no sentido de mover o metabolismo industrial na direção à sustentabilidade, tanto no que diz respeito ao próprio funcionamento atual e ideal do metabolismo industrial, como no que diz respeito à eliminação ou minimização do desperdício e na consolidação da reciclabilidade. Basicamente, sua missão reduz-se em acelerar a velocidade de conversão do metabolismo industrial. 
  • A característica definidora desse modelo de educação ambiental evidentemente é a instrumental e pragmática. No atual contexto neoliberal, há uma diminuta margem de manobra para a realização de uma educação ambiental fundamentalista no âmbito empresarial, onde se preconizaria a substituição de valores antropocêntricos e seus respectivos paradigmas, por valores ecocêntricos. Isso não inviabiliza, contudo, que se possa abrir e desenvolver novas sensibilidades para a questão ambiental nos educandos, para além dessa lógica pragmática. 
  • Além da identificação do foco de atenção da atividade educativa, outro elemento deve ser considerado no planejamento dos programas de educação ambiental na empresa: as sutis diferenças entre os vários ‘públicos-alvo’ da educação ambiental, a fim de se permitir explorar em maior detalhe suas respectivas particularidades. A estrutura organizacional da empresa, que contempla vários segmentos diferenciados (diretoria executiva, gerências, fornecedores, setor de pesquisa e desenvolvimento (P&D), departamento de marketing, trabalhadores, entre outros), permite que cada um apresente uma contribuição específica a oferecer na busca da ecoeficiência. 
  • Outro elemento que merece atenção da ação educativa no âmbito da atividade produtiva, embora periférico em relação ao conceito do metabolismo industrial, é a questão dos riscos tecnológicos que frequentemente acarretam em acidentes ambientais, que muitas vezes provocam vítimas humanas dentro e fora da empresa.
É importante registrar ainda, que, ao contrário do que afirma o senso comum, não são os trabalhadores que representam a “mola mestra” das mudanças preconizadas pela educação ambiental no sentido da consolidação do critério da ecoeficiência na atividade produtiva; mas sim o setor de P&D, por estar envolvido com o desenho da planta industrial, dos insumos e matrizes energéticas. Finalmente, na impossibilidade de se fornecer um receituário definitivo de como deveriam ser implementados programas de educação ambiental no âmbito das atividades produtivas, o roteiro descrito no quadro a seguir contempla descritivamente os principais tópicos e critérios a considerar no planejamento. 

Programa de ação para projetos de educação ambiental em empresas:
Identificação do perfil da empresa: 
  • Processo produtivo 
  • Programas institucionais setoriais 
  • Estrutura organizacional e respectivas funções / responsabilidades 
  • Política, normas e procedimentos da gestão ambiental corporativa 
  • Programas ambientais 
  • Performance do desempenho ambiental 
  • Leis e outros requisitos legais 
  • Multas e outras ocorrências ambientais registradas 
  • Passivo ambiental e riscos tecnológicos atuais e potenciais 
Identificação do(s) público(s) alvo do programa de EA na empresa:
  • Funcionários e trabalhadores do "chão da fábrica" 
  • Departamento de Marketing, Vendas, Almoxarifado, etc. 
  • Departamento de P&D 
  • Empresas fornecedoras de materiais, energia, suprimentos, etc. 
  • Comunidades do entorno 
Mapeamento da percepção dos diversos segmentos da empresa sobre: 
  • Natureza, meio ambiente e educação ambiental 
  • Política e gestão ambiental da empresa 
  • Problemas ambientais da empresa e respectivas propostas
Implementação e operacionalização:
Elaboração do programa de EA: 
  • Definição dos objetivos e metas 
  • Estabelecimento de parcerias com as áreas envolvidas 
  • Definição do público-alvo, área piloto, periodicidade, carga horária, etc. 
  • Definição da metodologia do(s) curso(s) de capacitação 
  • Elaboração do material didático 
  • Identificação dos parâmetros de avaliação 
Levantamento de indicadores de acompanhamento e avaliação do desempenho: 
  • Indicadores ambientais quantitativos (água, energia, insumos, resíduos, ruído, etc.) 
  • Indicadores psicossociais qualitativos (valores, atitudes, comportamentos)
Bibliografia: 

Crespo, S. et al. O que o brasileiro pensa do meio ambiente, do desenvolvimento e da sustentabilidade. Rio de Janeiro: MAST/ISER/MMA/MCT. 1998. 
DeSimone, L. & Popoff, F. Eco-efficiency: the business link to sustainable development. Cambridge: The MIT Press. 1997. 
Donnaire, D. Gestão ambiental na empresa. São Paulo: Atlas. 1999. 
Dupuy, J.-P. Introdução à crítica da ecologia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1980. 
Freitas, M.E. Contexto social e imaginário organizacional moderno. RAE, 40(2):10. 2000. 
Hawken, P. et al. Natural capitalism: creating the next industrial revolution. New York: Little, Brown and Company. 1999.
Layrargues, P.P. A cortina de fumaça: o discurso empresarial verde e a ideologia da racionalidade econômica. São Paulo: Annablume. 1998. 
____. A (in)sustentabilidade do discurso. Políticas Ambientais, 6(19):10-11.1998. 
____. Ideology and the environment: business leaders adopt a strategy of environmental discourse regarding ISO 14000. Ciência e Cultura, 52(3):148- 153.2000. 
Meadows, DH. et al. Limites do Crescimento. São Paulo: Perspectiva. 2 a edição. 1978. 
____. Beyond the limits: confronting global colapse, envisioning a sustainable future. Vermont: Chelsea Green Publishing Company. 1992. 
OECD. Technologies for cleaner production and products: towards technological transformation for sustainable development. Paris: OECD. 1995. 
Ophuls, W. Ecology and the politics of scarcity: prologue to a political theory of the steady state. San Francisco: W.H. Freeman. 1977. 
Viola, E. O movimento ambientalista no Brasil (1971-1991): da denúncia e conscientização pública para a institucionalização e o desenvolvimento sustentável. In: Goldenberg, M. (Org.) Ecologia, ciência e política. Rio de Janeiro: Revan. 1992. 

O desafio empresarial para a sustentabilidade e as
oportunidades da educação ambiental