Uma estratégia de sustentabilidade a partir da Agroecologia
Eduardo Sevilla Guzmán,
O autor é Doutor em Sociologia, Professor Catedrático e Diretor do Instituto de Sociología y Estudios Campesinos - ISEC, da Escuela Superior de Ingenieros Agrónomos y de Montes - ETSIAM, Universidad de Córdoba, España.
Impactos e resistências:
- O pensamento científico convencional, através do conceito de desenvolvimento, definiu como o "progresso" para as zonas rurais a sua homogeneização sociocultural e, com isso, levou à erosão do conhecimento local, que foi desenvolvido e apropriado mediante a interação entre os homens e a natureza, em cada específico ecossistema.
Esta erosão aconteceu através de um processo de imposição paulatina das pautas de relações econômicas, sociais, políticas e ideológicas vinculadas à "modernização", definida e entendida como tal a partir da identidade sociocultural ocidental.
- Diante desta imposição e invasão cultural, as culturas locais reagiram de diferentes maneiras, ainda que, em geral, a estrutura de poder estabelecida neste processo e guiada pela lógica do lucro e do mercado tenha causado a submissão (primeiro formalmente e, mais tarde, em muitos casos, de forma real) dos elementos especificamente locais relacionados aos recursos naturais de cada etnoecossistema, a esta outra lógica.
Assim, o modo industrial de uso dos recursos naturais foi substituindo as formas de manejo (camponesas) tradicionais, vinculadas às culturas locais, de maneira que o contexto social, tecnológico e administrativo, como nova forma de gestão, atuou como mecanismo homogeneizador que implementou, de forma paulatina, um modo de vida "moderno", hostil e dissolvente das formas de relação comunitária existentes nas comunidades rurais, onde os valores de uso sempre prevaleciam sobre os valores de troca.
- Não obstante, apesar da persistência deste processo de modernização, as comunidades locais geraram múltiplos mecanismos de resistência para sobreviver a um contexto fortemente hostil à natureza de suas relações, tanto das relações entre as pessoas como das pessoas com os recursos naturais.
Tais formas de resistência constituem as respostas locais a uma generalizada agressão sociocultural, manifestando-se através de uma grande quantidade de elementos específicos de cada etnoecossistema. Dito em outras palavras, nasciam as respostas endógenas, surgidas a partir da própria cultura local.
Um outro enfoque de desenvolvimento:
A partir da Agroecologia:
- O conceito de desenvolvimento rural que aqui estamos propondo, amparado nos princípios da Agroecologia, se baseia no descobrimento e na sistematização, análise e potencialização dos elementos de resistência locais frente ao processo de modernização, para, através deles, desenhar, de forma participativa, estratégias de desenvolvimento definidas a partir da própria identidade local do etnoecossistema concreto em que se inserem.
A Agroecologia, que propõe o desenho de métodos de desenvolvimento endógeno para o manejo ecológico dos recursos naturais, necessita utilizar, na maior medida possível, os elementos de resistência específicos de cada identidade local. Em nossa opinião, a maneira mais eficaz para realizar esta tarefa consiste em potencializar as formas de ação social coletiva, pois estas possuem um potencial endógeno transformador.
- Portanto, não se trata de levar soluções prontas para a comunidade, mas de detectar aquelas que existem localmente e "acompanhar" e animar os processos de transformação existentes em uma dinâmica participativa.
Este é o núcleo central de nossa proposição teórica e metodológica.1 Assim, a ferramenta central de nossa aná- lise é a agricultura participativa, que trata de gerar elementos para o desenho de métodos de desenvolvimento endógeno, a partir do contexto e com base nos princípios da Agroecologia. Através da agricultura participativa, pretendemos o desenvolvimento participativo de tecnologias agrícolas, como orientação que permite fortalecer a capacidade local de experimentação e inovação dos próprios agricultores, com os recursos naturais específicos de seu agroecossistema.
- Se trata, pois, de criar e avaliar tecnologias autóctones, articuladas com tecnologias externas que, mediante o ensaio e a adaptação, possam ser incorporadas ao acervo cultural dos saberes e ao sistema de valores próprio de cada comunidade.
Ressalte-se que, apesar de sua crítica à agronomia convencional desenvolvida em estações experimentais (que favorece um cultivo específico contra o sistema produtivo em sua totalidade; que prioriza o mercado frente à reposição de nutrientes; que subestima o conhecimento local, entre outros erros de enfoque), a agricultura participativa utiliza múltiplas formas de experimentação, mas não pretende substituir a pesquisa realizada nas estações experimentais ou negar a investigação científica.
- O que pretende é modificá- la, transformando o núcleo central de poder que esta detém, baseado na ciência convencional, por outro núcleo, agora baseado no conhecimento local, porque este responde às prioridades e capacidades das comunidades rurais, aceitando, ademais, que estas são capazes de desenvolver agroecossistemas eficazes, rentáveis e sustentáveis.
Neste sentido, Calatrava (1995) propõe um modelo de desenvolvimento rural ao qual atribui as características de "integral, endógeno e sustentável".
- Isto é, contra as correntes dominantes na atualidade, aquele autor atribui a dito modelo um caráter agrícola/agrário e uma natureza ecológica, considerando que não existe desenvolvimento rural se este não estiver baseado na agricultura e na sua articulação com o sistema sociocultural local, como suporte para a manutenção dos recursos naturais.
Com base neste trabalho, e realizando as modificações oportunas para adaptá-lo ao enfoque agroecológico, entendemos que é possível estabelecer a elaboração de um plano de desenvolvimento sustentável para uma zona rural. Vejamos, então, as características que devem ser levadas em conta neste processo
a) Integralidade:Ainda que o manejo dos recursos naturais, através da agricultura, da pecuária e da silvicultura, seja o elemento inicial para o estabelecimento das estratégias de desenvolvimento, estas estratégias devem ser aplicadas ao conjunto das potencialidades e oportunidades de aproveitamento dos distintos recursos existentes na comunidade. Desta forma, deve-se buscar o estabelecimento de atividades econômicas e socioculturais que abranjam a maior parte dos setores econômicos necessários para permitir o acesso aos meios de vida da população, em busca da melhoria do bem-estar da comunidade.
b) Harmonia e equilíbrio:Os esquemas de desenvolvimento, gerados a partir da base material dos recursos naturais do agroecossistema, devem ser realizados buscando-se uma harmonia entre crescimento econômico e manutenção da qualidade do meio ambiente. Deve existir sempre um equilíbrio entre os sistemas econômico e ecológico. Como se depreende do anterior, as atividades agrícolas devem ser realizadas mantendo, também dentro do setor, um cará- ter integral, ou seja, buscando um processo de integração agrossilvopastoril que permita a manutenção do equilíbrio ecológico
c) Autonomia de gestão e controle:Os próprios habitantes da zona devem ser os responsáveis pela gestão e controle dos elementos-chave do processo. Isto não quer dizer que nossa proposta tenha um caráter "autárquico", ao contrário, a intervenção pública deve existir em um certo grau dentro do processo.
Entretanto, como mostra a experiência, os processos de desenvolvimento rural, ao longo do tempo, foram impostos pela intervenção pública, o que não deve ocorrer. Tal imposição, muitas vezes, ocorreu de forma inconsciente por parte da administração, já que esta, ao estabelecer as infra-estruturas organizativas necessárias para o estabelecimento dos processos, introduzia, também, um contexto social, tecnológico e administrativo alheio aos mecanismos socioculturais da comunidade, gerando, com isto, barreiras à participação local.
Como assinala Calatrava (1995: 314), "o tema da autonomia, estreitamente ligado ao problema da intervenção pública nos processos de desenvolvimento rural, é um tema muito delicado e polêmico, sobre o qual é difícil estabelecer soluções genéricas, pois a necessidade de intervenção pública (na comunidade local) é função das características da zona, do grau de desenvolvimento geral da região e do país, do contexto institucional genérico que afeta às comunidades rurais em questão, do grau de desenvolvimento da administração local, entre outros fatores”.
d) Minimização das externalidades negativas nas atividades produtivas:Este é um tema delicado e que, em geral, vem determinado pela natureza da dependência do mercado e dos agentes da circulação. Normalmente, os sistemas agroalimentares, através dos insumos de natureza industrial e estandartizada, geram uma estrutura de poder vinculada às "casas comerciais", na maioria dos casos multinacionais (ou vinculadas a elas) que impõem a lógica do manejo industrial dos recursos naturais, introduzindo, com isto, as fontes de degradação e determinando, desta forma, a necessidade de levar a cabo a internalização das externalidades dentro dos já estreitos limites da sustentabilidade.
Como é sabido, as externalidades negativas da agricultura industrializada geram diferentes impactos à biosfera: impactos no solo, na atmosfera, nos recursos hídricos, na biodiversidade, muitas vezes incontroláveis.
Por isto, em nossa proposta de desenvolvimento rural sustentável joga um papel fundamental o estabelecimento de redes locais de intercâmbio de insumos localmente disponíveis, como elemento de resistência e enfrentamento ao controle externo exercido pelas empresas comerciais introdutoras dos elementos de natureza industrial (o que gera impactos negativos no manejo dos recursos naturais), tanto na fase de produção como na fase de comercialização.
A geração de mercados alternativos de insumos e produtos tem um papel-chave como estratégia de resistência.
e) Manutenção e potencialização dos circuitos curtos: Estreitamente vinculada à característica antes assinalada, aparece esta, como uma estratégia para manter e potencializar, na medida do possível, os mercados locais já que os mercados de circuitos curtos permitem adquirir a experiência e controle na busca de mercados regionais e mais amplos.
E, somente após o conhecimento da complexidade dos processos de intercâmbio nos mercados convencionais e do estabelecimento de mecanismos de defesa frente à estrutura de poder característica destes mercados (em geral, vinculados à dimensão econômica da globalização), é possível dar-se o passo no sentido de introduzir-se em mercados de circuitos mais longos. Inclusive, quando o debate interno entre as redes alternativas de comercialização, geradas no nível local, assim o aconselhar, é possível pensar-se em mercado de exportação de natureza solidária.
É muito difícil, entretanto, estabelecer uma estratégia de ação generalizada sobre este ponto. O importante, em nossa opinião, é assegurar uma tendência a minimizar a dependência do exterior das comunidades e das redes convencionais de comercialização
f) Utilização do conhecimento local vinculado aos sistemas tradicionais de manejo dos recursos naturais:Esta é outra característica central no enfoque agroecológico, já que as "respostas" à agressão modernizadora surgem, em geral, desta base epistemológica. Dito em outras palavras, a co-evolução local possui a lógica de funcionamento do agroecossistema, naquelas zonas em que o manejo tradicional histórico mostrou condições de sustentabilidade.
Somos conscientes de que, na maior parte das zonas rurais das "sociedades avançadas" ou em regiões fortemente impactadas pela lógica da modernização, a erosão do conhecimento local foi tão forte que parece tremendamente difícil o "resgate" destes conhecimentos locais.
Não obstante, existe uma contundente evidência empírica que nos mostra a possibilidade de recriação e, inclusive, de inova- ção de tecnologias de natureza ambiental, naqueles lugares onde os homens recuperam a co-evolução com seu ecossistema. Vale a pena que nos fixemos neste ponto, para considerar a definição que Sidney W. Mintz (1989) apresenta sobre o campesinato caribenho como "ranura histórica" .
Este autor, mediante uma análise de tipo histórico antropológica, estudando o manejo dos recursos naturais de diversas gerações e o sistema de dominação política em que estas estiveram imersas, chegou à conclusão de que, superados os períodos de tempo em que o controle colonial europeu manteve os camponeses em forma de escravidão, estes começaram a desenvolver um conhecimento local plasmado em formas de manejo agrossilvopastoril análogo ao que era realizado em épocas anteriores, pelas suas gerações passadas.
Isto quer dizer que o homem possui a capacidade de ler os "indicadores naturais" que lhe são oferecidos pelo ecossistema e de interpretar as inter-relações da "trama da vida". Isto é, os ciclos climáticos na natureza, junto com as formas de vida vinculadas a um meio ambiente específico, oferecem, por si só, respostas locais de natureza ecológica que são apreendidas e apropriadas pelo conhecimento local.
Não é necessária a existência de um manejo camponês ou indígena (produto da sabedoria acumulada pela transmissão oral do conhecimento durante muitas gerações) para se obter o desenvolvimento de tecnologias de natureza ambiental específicas para um dado agroecossistema. É a lógica ecológica existente nos ciclos naturais, vinculada a cada aspecto de natureza, que possibilita a geração do conhecimento local.
Nos agroecossistemas fortemente artificializados, onde o manejo tem uma natureza profundamente industrializada, também é possível gerar um conhecimento local que aporte soluções específicas para cada realidade.
Este conhecimento oferecerá respostas análogas àquelas que, há séculos atrás, estabeleceram os habitantes da mesma zona, realizando um manejo ambiental dos recursos naturais. Cremos que a evidência até agora acumulada nos permite desenhar sistemas de manejo dos recursos naturais de natureza agroecológica, com base no conhecimento local, inclusive naquelas zonas de manejo fortemente industrializado.
Os processos de transição da agricultura convencional a um manejo agroecológico são, por conseguinte, suscetíveis de ser realizados, independentemente da zona em que nos encontremos. Como afirma Calatrava (1995: 315),
"Em se tratando de uma zona de agricultura industrial, inclusive muito intensiva, deve-se analisar detidamente seu nível de sustentabilidade e tentar, a partir dos pontos de estrangulamento, reconduzir o sistema em busca de contextos de sustentabilidade.
Isto não implica, necessariamente, a implantação da agricultura ecológica em sentido estrito, senão que a recondução gradual dos sistemas agrícolas em direção a situações ecologicamente desejáveis"
g) Pluriatividade, seletividade e complementaridade da renda: As estratégias de desenvolvimento rural sustentável, aqui propostas, se baseiam no princípio agroecológico que indica a necessidade de articular os elementos de sustentabilidade existentes nas formas históricas de manejo, com as novas tecnologias de natureza ambiental.
Quer dizer, estão baseadas na geração de uma "modernidade alternativa" quanto ao manejo dos recursos naturais. O uso múltiplo do território e o aproveitamento de todas as suas potencialidades, mediante a reutilização da energia e materiais, buscando a reposição dos elementos deteriorados, constitui uma prática histórica mais recente, pretende inventar de novo, agora com o nome de pluriatividade.
Entretanto, a prática real dos programas sobre pluriatividade, no contexto das estratégias de desenvolvimento rural integrado, se limitou à introdução de atividades não-agrícolas no trabalho dos agricultores, especialmente aquelas vinculadas ao turismo rural.
A pluriatividade que propomos se baseia mais na complementaridade de atividades e supõe uma recuperação de práticas ecológica e economicamente sustentá- veis que historicamente se realizavam na comunidade.
Neste sentido, o turismo rural (e outras iniciativas semelhantes e derivadas) só é válido no contexto das estruturas associativas existentes na comunidade rural para reforçar seus laços de solidariedade e buscando uma complementaridade de rendas que permita a melhoria do nível de vida dos agricultores.
Todas estas características de um novo estilo de desenvolvimento, acima comentadas, necessitam ser entendidas a partir do conceito de "endógeno", como passamos a abordar a seguir
O endógeno como construção social:
Recriadora da heterogeneidade no meio rural:
- Ainda que, etimologicamente, endógeno signifique "nascido desde dentro" , seu significado está distante de ter um caráter estático, até porque a mudança social não só é ubíqua, senão que, ademais, se produz com grande intensidade e vigor nas comunidades rurais e nos sistemas tradicionais de manejo dos recursos naturais.
Nos lugares onde tais sistemas, pela sua durabilidade na história, provaram ser sustentáveis, a mudança social e a inovação tecnológica são uma constante, ainda que, na maior parte dos casos, resultam invisíveis aos "olhos urbanos". Como deixamos claro quando nos referimos à resposta da Agroecologia, esta articula o tradicional (com sustentabilidade histórica) com o novo (tecnologias e processos de natureza ambiental).
- É somente unindo ambas as características que a aplicação dos princípios da Agroecologia chega a garantir um risco mínimo de degradação da natureza e da sociedade produzido pela artificialização dos ecossistemas, por um lado, e pelos mecanismos de mercado, por outro.
Levando-se em conta o que antes mencionamos, o "endógeno" não pode ser visualizado como algo estático e que rechace o externo. Ao contrário, o endógeno "digere" o que vem de fora, mediante a adaptação à sua lógica etnoecológica e sociocultural de funcionamento.
- Ou seja, o externo passa a se incorporar ao endógeno quando tal assimilação respeita a identidade local e, como parte dela, a autodefinição de qualidade de vida. Somente quando o externo não agride as identidades locais é que se produz tal forma de assimilação.
Os mecanismos de assimilação do externo por parte da localidade ocorrem através de atores locais, os quais incorporam a seus "estilos de manejo dos recursos naturais" aqueles elementos externos que não sejam agressivos ou contrários a sua lógica de funcionamento.
- É por isto que os processos de modernização, como forma de agressão, que impõem uma homogeneidade sociocultural são rechaçados por aqueles grupos e indivíduos que mantêm uma lógica de funcionamento de natureza endógena.
Em todo caso, as forças sociais existentes na localidade são heterogêneas, razão pela qual determinados "estilos de manejo dos recursos naturais" incorporam, acriticamente, os elementos modernizantes, vendo-se sujeitos às suas formas de erosão ecológica e cultural.
- Portanto, para entender cabalmente "o endógeno", é necessário compreender o que aqui denominamos "estilos de manejo dos recursos naturais" .
Assim, utilizamos o conceito de estilos de manejo dos recursos naturais, com referência ao espaço sociocultural e ecológico que existe entre o homem e os recursos naturais, gerado como conseqüência da co-evolução no interior de um específico etnoecossistema.
- Significa, pois, aqueles ajustes entre os elementos da biosfera (ar, água, solo e diversidade biológica) e a matriz cultural que permite sua articulação, gerando tecnologias específicas e locais. Isto, por sua vez, leva à aparição de um repertório ecológico e cultural próprio, que não é senão o produto dos intercâmbios gerados entre o pedaço da natureza (agroecossistema) que adquire uma identidade específica na co-evolução e os contínuos elementos externos que dinamizam esta, introduzindo uma mudança sociocultural e uma alteração da sucessão ecológica, retardando-a e simplificando o ecossistema em comparação com seu estado pré-agrícola.
Ainda que no ecossistema exista um menor número de espécies e tipos biológicos, o legado cultural introduzido mediante a domesticação leva consigo um acervo cultural que, mesmo que simplifique também a estrutura do solo e a diversidade das distintas populações vivas, fortalece a circulação de nutrientes, gerando, por sua vez, um mais rápido crescimento e uma maior vulnerabilidade do sistema.
- Definitivamente, o homem artificializa a natureza através da cultura, deixando impressa nela a sua marca (huella)6 e introduzindo, deste modo, sua específica identidade. Portanto, é falsa a crença generalizada de que a identidade concreta de uma localidade é produto de seu isolamento.
Ao contrário, as respostas socioculturais e ecológicas, resultantes da co-evolução, são produtos tanto do manejo dos recursos naturais, como das explicações que dada cultura atribui aos resultados obtidos. Quando as respostas são adequadas à localidade (comunidade) e a suas condições concretas e específicas, se produz a geração de um potencial endógeno, evidenciando as próprias possibilidades e limitações.
- O mais relevante das respostas socioculturais e ecológicas geradas a partir do local são os mecanismos de reprodução e as relações sociais que surgem destas respostas. É nos processos de trabalho e nas instituições sociais geradas em torno deles, onde aparece a autêntica dimensão do endógeno. Para finalizar, podemos afirmar que o enfoque agroecológico pretende ativar este potencial endógeno, gerando processos que dêem lugar a novas respostas e/ou façam surgir as velhas (se estas são sustentáveis).
O mecanismo de trabalho, através do qual se obtém esta ativação, é constituído pelo fortalecimento dos marcos de ação das forças sociais internas à comunidade local. É assim que se realiza a apropriação, por parte dos atores locais, daqueles elementos de seu entorno (tanto genuinamente locais, como genericamente exteriores) que permitem a que estes atores estabeleçam "novos cursos de ação".
"Para finalizar, podemos afirmar que o enfoque agroecológico pretende ativar este potencial endógeno, gerando processos que dêem lugar a novas respostas e/ou façam surgir as velhas (se estas são sustentáveis)"
Uma estratégia de sustentabilidade a partir da Agroecologia
Como conclusão:
A sustentabilidade no enfoque da Agroecologia:
- Para a Agroecologia, o desenho de modelos agrícolas/agrários alternativos, de natureza ecológica, constitui-se no elemento mediante o qual se pretende gerar estratégias de desenvolvimento sustentável, utilizando como núcleo central o conhecimento local e as "pegadas" que, através da história, este gerou nos agroecossistemas, produzindo ajustes e soluções tecnológicas específicas de cada lugar, isto é, gerando, criando e/ou recriando o endógeno.
Entretanto, como sabemos, a articulação transnacional dos Estados, através dos organismos internacionais, gerou um falso discurso ambiental, estabelecendo uma inconsistente definição oficial de sustentabilidade que leva a crer que a repetição e o aprofundamento dos processos de difusão de inovações, em sua vertente mais moderna, denominada intensificação verde, podem trazer a solução para os descaminhos do desenvolvimento convencional. Por isto, é importante precisar aqui o que é o "sustentável" sob o ponto de vista da Agroecologia, para evitarmos as armadilhas da sustentabilidade presente no discurso ecotecnocrático .
- O fazemos tomando como base os ensinamentos de Gliessman (1990), que afirma que a sustentabilidade não é um conceito absoluto, mas, ao contrário, só existe mediante contextos gerados como articulação de um conjunto de elementos que permitem a perdurabilidade no tempo dos mecanismos de reprodução social e ecológica de um etnoecossistema.
Assim, os contextos de sustentabilidade, que buscamos através da Agroecologia, devem ser construídos a partir de ações que tenham em conta, entre outros, os seguintes elementos:
a) a ruptura das formas de dependência que põem em perigo os mecanismos de reprodução, sejam de natureza ecológica, socioeconômica e/ou política;
b) a utilização daqueles recursos que permitam que os ciclos de materiais e de energia existentes no agroecossistema sejam o mais fechados possível;
c) a utilização dos impactos benéficos que se derivam dos ambientes ecológico, econômico, social e político, existentes nos diferentes níveis, desde a propriedade até a sociedade maior;
d) a não-alteração substantiva do meio ambiente quando tais mudanças, através da trama da vida, podem significar transformações significativas nos fluxos de materiais e energia que permitem o funcionamento do ecossistema. Isto significa a necessidade de tolerância ou aceitação de condições biofísicas, em muitos casos, adversas;
e) o estabelecimento dos mecanismos bióticos de regeneração dos materiais deteriorados, para permitir a manutenção, a longo prazo, das capacidades produtivas dos agroecossistemas;
f) a valorização, recuperação e/ou criação de conhecimentos locais, para sua utiliza- ção como elementos de criatividade, que melhorem o nível de vida da população, definido a partir de sua identidade local;
g) o estabelecimento de circuitos curtos para o consumo de mercadorias que permitam uma melhoria da qualidade de vida da população local e uma progressiva expansão espacial do comércio, segundo os acordos participativos alcançados pela sua forma de ação social coletiva; e finalmente,
h) a potencialização da diversidade local, tanto biológica como sociocultural
Assim, novas estratégias de ação, orientadas para a construção de contextos de sustentabilidade, devem garantir o incremento da biodiversidade e da diversidade cultural, minimizando, ao mesmo tempo, as dependências às quais os etnoecossistemas estão submetidos.
No que diz respeito às formas de relação com os recursos naturais, estas devem atender não somente à utilização dos mesmos, mas também a sua conservação, empregando, para isto, tecnologias respeitosas para com o meio ambiente.
Ademais, as intervenções externas devem garantir a abertura de espaços na administração que permitam a efetiva participa- ção dos atores locais.
Por fim, a Agroecologia, como enfoque científico que promove o desenvolvimento rural sustentável, está assentada na busca e identificação do local e sua identidade para, a partir daí, recriar a heterogeneidade do meio rural, através de diferentes formas de ação social coletiva de caráter participativo.
Referências bibliográficas:
ALONSO MIELGO, A. R. y SEVILLA GUZMÁN, E. Sobre el discurso ecotecnocrático de la sostenibilidad: In: CÁDENAS MARÍN, A. (ed.). Agricultura y desarrollo sostenible. Madrid: MAPA, 1995.
ALTIERI, M. A. Agroecología: bases científicas para una agricultura sustentable. Santiago, Chile:
CLADES, 1995 CALATRAVA, J. Actividad agraria y sustentabilidad en el desarrollo rural. El papel de la investigación-extensión con enfoque sistémico. IN:
RAMOS LEAL, E. y CRUZ VILLALÓN, J. (eds.). Hacia un nuevo sistema rural. Madrid:
MAPA, 1995. CHAMBERS, R. Rural development: putting the last first. Harlow: Longman, 1983. CHAMBERS, R. et. al. Farmer first. London: Intermediate Technology Publications, 1994
De HAAN, H.; LONG, N. (eds.). Images and realities of rural life. Wageningen Perspectives on Rural Transformations. Assen, The Netherlands: Van Gorcum, 1997.
De HAAN, H.; PLOEG. J. D. van der (eds.). Agrimed research programme. Endogenous regional development in Europe: theory, method and practice. In: Proceedings of a seminar Held in Vila Real (Portugal, 4 and 5 November 1991. Report European Commission 15019 EN), 1994. ESTEVA, G. Development. IN:
SACHS, W. (ed.). The Development Dictionary . A Guide to knowledge as power. London: Zed Books., 1992.
EXTEZARRETA, M. Z. (ed.). Desarrollo rural integrado. Madrid: MAPA, 1988. FAO. Enseñanzas de la Revolución Verde: hacia uma nueva Revolución Verde. Roma: FAO, 1995.
GLIESSMAN, S. R. Agroecology. Researching the ecological basis for sustainable agriculture. London: Springer-Verlag, 1990.
GONZÁLEZ DE MOLINA, M.; SEVILLA GUZMÁN, E. Ecología, campesinado e historia: para uma reinterpretación del desarrollo del capitalismo en la agricultura. In:
SEVILLA GUZMÁN, E.; GONZÁLEZ DE MOLINA, M. (eds.). Ecología, campesinado e historia. Madrid: La Piqueta,1993.
LONG, N. An introduction to the sociology of rural development. London: Tavistock Publications, 1977.
LONG, N. Encounters at the interface: a perspective on social discontinuities in rural development. Wageningen, Agricultural University, Studies in Sociology, n.27, 1989.
LONG, N.; LONG, A. Battlefields of knowledge: the interlocking of theory and practice in social research and development. London: Routledge, 1992.
PLOEG, J. D. van der; Dijk, G. van (eds.). Beyond modernization. The impact of endogenous rural development. Assen, The Netherlands: Van Gorcum, 1995. PLOEG, J. D. van der;
LONG, A. (eds.). Born from within. Assen, The Netherlands: Van Gorcum, 1994.
PLOEG, J.D. van der et. al. (eds.). On the impact of endogenous development in rural areas. In: Proceedings of a Seminar Held in Assisi, Umbria, Italy. October 25-27, 1993,
CESAR/ CERES, 1994. RAMOS LEAL, E.; CRUZ VILLALÓN, J. (eds.). Hacia un nuevo sistema rural. Madrid: MAPA, 1995.
SACHS, W. (ed.). Global ecology. A new arena of political conflict. London & New Jersey: Zed Books Ltd., 1993.
SEVILLA GUZMÁN, E. Redescubriendo a Chayanov: hacia un neopopulismo ecológico. In: Agricultura y Sociedad, n.55, abr./jun. 1990.
SEVILLA GUZMÁN, E.; WOODGATE, G. Sustainable, rural and development: from industrial agricultura to Agroecology. In:
REDCLIFT, M.; WOODGATE, G. (eds.). The Internacional Handbook of Environmental Sociology. Cheltenham: Edward Elgar, 1997.
SEVILLA GUZMÁN, E. (ed.). Sobre agricultores y campesinos. Madrid: MAPA, 1984.
SEVILLA GUZMÁN, E. y GONZÁLEZ DE MOLINA, M. (eds.). Ecología, campesinado e historia. Madrid: La Piqueta, 1993.
WILDE, J. C. Experiences with agricultural development in Tropical Africa. Baltimore: The John Hopkins Press, 1967
Uma estratégia de sustentabilidade a partir da Agroecologia