Uma das causas da gravidez na adolescência mais alardeada é a desestrutura
familiar. Um lar que enfrenta conflitos constantes costuma abandonar os seus
jovens, que se sentem muitas vezes perdidos e desamparados e buscam
conforto de outras maneiras.
A minha mãe disse que me teve quando ela tinha 16 anos. Naquela época não era muito cedo não. Tava bom! Fazer o que? Mas hoje eu não quero isso pra mim. O tempo mudou. Tem que estudar mais, um filho ia acabar com a minha vida! Eu nem conto pra todo mundo que já fiquei grávida. (Paula, 17 anos, estudante, uma gestação interrompida aos 16 anos).
A adolescência corresponde ao período da vida entre os 10 e 19 anos, no qual ocorrem profundas mudanças, caracterizadas principalmente por crescimento rápido, surgimento das características sexuais secundárias, conscientização da sexualidade, estruturação da personalidade, adaptação ambiental e integração social.
- Com a introdução dos cuidados de puericultura, melhores condições nutricionais, programas de vacinação, entre outros, tem havido diminuição da mortalidade infantil, o que resulta no aumento da população de adolescentes. No Brasil, corresponde a 20,8% da população geral, sendo 10% na faixa de 10 a 14 anos e 10,8% de 15 a 19 anos, estimando-se que a população feminina seja de 17.491.139 pessoas.
A análise do perfil de morbidade desta faixa da população tem revelado a presença de doenças crônicas, transtornos psico-sociais, fármaco-dependência, doenças sexualmente transmissíveis e problemas relacionados à gravidez, parto e puerpério.
- A gravidez neste grupo populacional vem sendo considerada, em alguns países, problema de saúde pública, uma vez que pode acarretar complicações obstétricas, com repercussões para a mãe e o recém-nascido, bem como problemas psico-sociais e econômicos.
Quanto à evolução da gestação, existem referências a maior incidência de anemia materna, doença hipertensiva específica da gravidez, desproporção céfalo-pélvica, infecção urinária, prematuridade, placenta prévia, baixo peso ao nascer, sofrimento fetal agudo intra-parto, complicações no parto (lesões no canal de parto e hemorragias) e puerpério (endometrite, infecções, deiscência de incisões, dificuldade para amamentar, entre outros).
- No entanto, alguns autores sustentam a ideia de que, a gravidez pode ser bem tolerada pelas adolescentes, desde que elas recebam assistência pré-natal adequada, ou seja, precocemente e de forma regular, durante todo o período gestacional, o que nem sempre acontece, devido a vários fatores, que vão desde a dificuldade de reconhecimento e aceitação da gestação pela jovem até a dificuldade para o agendamento da consulta inicial do pré-natal.
Têm sido citados também efeitos negativos na qualidade de vida das jovens que engravidam, com prejuízo no seu crescimento pessoal e profissional. Segundo Blum, 53% das adolescentes que engravidam completam o segundo grau, enquanto que, entre as adolescentes que não engravidam, essa cifra corresponde a 95%. Há, portanto, necessidade de avaliação quantitativa e qualitativa da questão, principalmente nos países em desenvolvimento, para verificação da necessidade da adoção de medidas pertinentes a sua prevenção e direcioná-las aos grupos mais vulneráveis.
- Os países desenvolvidos estão, há algum tempo, interessados nesta questão. Nos Estados Unidos, Spitz et al. (1996)10, ocorreu um aumento de 8,8% em 1980 para 9,6% em 1990, na população de 15 a 19 anos e, de 7,4% em 1980 para 8,4% em 1990, na população com menos de 15 anos. No Brasil tem sido referido aumento da incidência da gravidez nesta faixa etária, com cifras que vão de 14 a 22%8,12-14. Alguns estudos têm sido realizados, sugerindo a necessidade de estratégias para a prevenção devido às repercussões negativas sobre a saúde do binômio mãe-filho e principalmente, sobre as perspectivas de vida futura de ambos.
As tentativas de prevenção devem levar em consideração o conhecimento dos chamados fatores predisponentes ou situações precursoras da gravidez na adolescência, tais como: baixa auto-estima, dificuldade escolar, abuso de álcool e drogas, comunicação familiar escassa, conflitos familiares, pai ausente e ou rejeitador, violência física, psicológica e sexual, rejeição familiar pela atividade sexual e gravidez fora do casamento. Tem sido ainda referidos: separação dos pais, amigas grávidas na adolescência, problemas de saúde e mães que engravidaram na adolescência15. Por outro lado, alguns estudos sugerem que, entre as adolescentes que não engravidam, os pais têm melhor nível de educação, maior religiosidade e ambos trabalham fora de casa.
- É importante lembrar também, que deve ser incluída nas estratégias de prevenção, a averiguação de atitudes frente a adolescente que engravidou. Existem evidências do abandono escolar, por pressão da família, pelo fato da adolescente sentir vergonha devido à gravidez, e ainda, por achar que "agora não é necessário estudar". Pode haver também rejeição da própria escola, por pressão dos colegas ou seus familiares e até de alguns professores. Em 1990, Upchurch e McCarthy relataram em seu estudo que, 39% de adolescentes grávidas abandonaram a escola, enquanto que entre as não grávidas o abandono foi de 19%. Quanto ao retorno à escola e graduação, 30% de adolescentes que tinham engravidado voltaram e concluíram os estudos; quando não houve gravidez essa cifra correspondeu a 85%.
É importante, na abordagem de medidas preventivas, considerar quais adolescentes estão mais expostas ao risco de engravidar. Entre 7.134 partos de adolescentes ocorridos no município de Ribeirão Preto, São Paulo, observa-se entre gestantes adolescentes, cifras significantemente maiores entre aquelas atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), quando comparadas com jovens atendidas pelo sistema pré-pago (Convênio ou Particular), ou seja: 2,1% corresponderam a categoria particular, 17,9% a categoria convênio e 80,0% a categoria SUS. Segundo Rocha et al. (1997)19 a categoria de internação pode representar a categoria social ao qual o indivíduo pertence, considerando o grupo atendido pelo SUS, como população de baixa renda.
- Esses dados são preocupantes devido às possíveis repercussões psico-sociais acarretadas pela gestação precoce. Considerando-se que, a gravidez na adolescência pode resultar no abandono escolar e que, o retorno aos estudos se dá em menores proporções, torna-se difícil a profissionalização e o ingresso no grupo de população economicamente ativa, com agravamento das condições de vida de pessoas já em situação econômica desfavorável.
Consideramos de grande importância conhecer a problemática no Brasil, em suas diferentes regiões, bem como identificar a população mais vulnerável aos efeitos negativos, que a gravidez possa acarretar, tanto para a mãe como para a criança. Assim devem ser estimulados os projetos e programas que visam a abordagem do tema, principalmente no que diz respeito a sua prevenção e também viabilizar publicações a esse respeito.
- Neste sentido encontramos publicado no presente número deste valioso periódico, trabalho cujo capítulo é Gestação na Adolescência Precoce e Tardia – há diferença nos riscos obstétricos. Trata-se de estudo transversal, com avaliação analítica de um número considerável de adolescentes grávidas, atendidas em centro de atendimento terciário, considerando-se variáveis relacionadas a evolução da gestação e condições do recém-nascido, retratando de maneira adequada alguns aspectos da gestação na adolescência.
Enquanto suas amigas se preparam para a festa de formatura, você
tem que trocar a fralda do bebê, amamentar e colocá-lo para dormir.
A gravidez precoce pode deixar marcas na vida de qualquer adolescente.
A Gravidez na adolescência:
- Dados sobre a gravidez na adolescência vêm mostrando um aumento na taxa de fecundidade para esta população quando comparada a mulheres adultas, especialmente nos países mais pobres, como é o caso da América Latina. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8069/90, adolescente é todo indivíduo com idade entre 12 e 18 anos e para a Organização Mundial de Saúde (OMS) esse período envolve indivíduos com idades entre 10 a 19 anos.
- No Brasil, estima-se que aproximadamente 20-25% do total de mulheres gestantes são adolescentes, apontando que uma em cada cinco gestantes são adolescentes entre 14 e 20 anos de idade (Santos Júnior, 1999). Além disso, verifica-se que no Brasil, se assiste a um aumento do número de adolescentes que engravidam. Ao contrário do que acontece nos restantes países ocidentais, nos quais tende a ocorrer uma diminuição na ocorrência deste evento (Pesquisa GRAVAD, 2006).
- O aumento nas taxas de gravidez na adolescência pode ser explicado por diferentes causas, podendo variar de país para país. Dentre a complexidade de fatores de risco para analisar esta questão, destacam-se os aspectos socioeconômicos. Apesar do fenômeno atingir e estar crescente em todas as classes sociais, ainda há uma forte relação entre pobreza, baixa escolaridade e a baixa idade para gravidez. Além disso, fatores como a diminuição global para a idade média para menarca e da primeira relação sexual compõem um cenário de risco que colabora para o aumento dessas taxas. O estudo de Moura (1991), mostrou que no estado de São Paulo, a idade média para a menarca diminuiu significativamente de 13 para 11 anos de idade em uma década. De forma semelhante, o estudo de Cerqueira-Santos (2007), realizado em quatro capitais brasileiras, apontou que a idade média de iniciação sexual dos jovens de nível socioeconômico baixo está por volta dos 13 anos. Estudos anteriores, da década de 90, revisados por Santos Júnior (1999), revelavam médias entre 15 e 17 anos para a primeira relação sexual desta população.
- Dados do Ministério da Saúde (2002) também indicaram que, nessa faixa etária (adolescência), a proporção de gravidez é de 23,5%. Nas meninas com idade inferior a 15 anos, este valor é de 0,9% e para aquelas entre os 15 e os 19 anos, 22,6%. Estes percentuais apresentam variações nos diferentes estados brasileiros, observando-se que São Paulo é aquele que apresenta uma incidência mais reduzida (19,5%), enquanto no Maranhão e Tocantins estes valores tomam uma maior dominância (32,3%) (Ministério da Saúde, 2006; Aquino et al., 2003).
- Neste contexto, discute-se o conhecimento e o uso de métodos contraceptivos de diferentes maneiras. Algumas pesquisas apontam como risco para a gravidez na adolescência o início da vida sexual, aliada à falta de informação sobre meios contraceptivos e à deficiência de programas de apoio ao adolescente (Sabroza, et al., 2004).
- Nesta perspectiva, é considerado redutor descrever a gravidez adolescente como um grupo homogêneo de risco, já que este é um fenômeno que ocorre numa variedade de transações possíveis e a vulnerabilidade de um dos elementos (por exemplo, mãe/bebê) poderá ser minimizado pela potencialidade de outros que, poderão funcionar como fatores protetores. De acordo com Rutter (1985, 1987) os fatores de proteção são compreendidos como aqueles que modificam, melhoram ou alteram as respostas pessoais a determinados riscos de desadaptação. Os atributos disposicionais das pessoas, a rede de apoio social e a coesão familiar são fatores protetivos que quando presentes contribuem para o enfrentamento do risco (Masten & Garmezy, 1985). Na vivência da gravidez na adolescência quanto maior o número de recursos internos e externos, maior a possibilidade de sucesso da unidade familiar, o risco poderá ser maximizado ou minimizado perante outras variáveis (Figueiredo, 2000).
- Os autores continuam argumentando que diante desta possibilidade atual de vivência da sexualidade desvinculada da reprodução, a gravidez se coloca como uma perda de oportunidades de vivências na juventude. Por esse motivo, a gravidez adolescente tende a ser indicada como um fator de risco no desenvolvimento, tanto dos pais como da criança, uma vez que se constitui um desafio para aqueles nela envolvidos (Canavarro & Pereira, 2001; Levandowski & Piccinini, 2004; Soares, Marques, Martins, Figueiredo, Jongenelen, & Matos, 2002).
- O fenômeno do prolongamento da juventude não parece ter grande impacto para o grupo de baixo nível socioeconômico, no qual há uma preocupação dominante com a sobrevivência, o que influencia a sua relação com a escola. Nestes grupos, a escola é encarada como uma necessidade provisória até permitir o acesso a um trabalho que assegure a subsistência e permita contribuir para o orçamento familiar. Por esse motivo, a análise dos casos de gravidez adolescente deve contemplar o histórico e o retrato da situação referente à relação destes jovens com a escola, o trabalho e a família e as múltiplas variáveis associadas a um percurso individual de vida.
- Quanto a características da gravidez na adolescência, Gama, Szwarcwal e Leal (2002) mostraram, em um estudo comparativo entre três grupos de gestantes, sendo um deles de adolescentes, que há diferenças na forma como estas percebem e conduzem a sua gestação. Especificamente, indicaram que o desejo daquela gravidez e o número de consultas pré-natais foi menor no grupo de gestantes adolescentes comparativamente às restantes. Por sua vez, a incidência de partos prematuros e de bebês com baixo peso ao nascer neste grupo foi superior em relação aos outros.
- Essa atitude, poderá refletir, por parte dos adolescentes, a gravidez como algo gratificante, do ponto de vista pessoal e afetivo. É um momento no qual as adolescentes imaginam e projetam o papel de mãe, frequentemente, com pouca maturidade, de forma positiva, irrealista e idealizada, identificando a tarefa de cuidar de um bebê como fácil e divertida (Jaccard, Dodge & Dittus, 2003; Figueiredo, 2001).
- O surgimento desta gravidez compromete também a capacidade de autonomização, por parte da adolescente, relativamente às figuras parentais (tarefa que caracteriza o período da adolescência) introduzindo uma certa ambivalência na relação, já que ao ser mãe há uma precipitação desta autonomia, embora na maioria dos casos, persista a dependência relativamente aos seus pais, nomeadamente a nível econômico (Figueiredo, 2001). Contudo, também se verifica que quando a jovem possui capacidade maturativa, a gravidez permite a aquisição de ganhos significativos, nomeadamente relativamente à construção da identidade sexual e de uma autonomização relativamente aos seus próprios pais (Figueiredo, 2001). Neste sentido, a gravidez poderá ser considerada como um fator protetor do ponto de vista desenvolvimental da adolescente.
- Discutir a gravidez na adolescência daqueles que vivenciam situações de pobreza ultrapassa a simples identificação dos riscos, exatamente pelo fato de que já existem riscos envolvidos como a baixa condição socioeconômica. É necessário prescindir de uma teoria que possa avaliar a complexidade da gravidez desse adolescente que vivencia o risco constantemente.
- A partir dessa ótica, a gravidez na fase da adolescência vivenciada pelos adolescentes e jovens precisa ser compreendida através da interação de quatro núcleos inter-relacionados: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo. O processo é responsável pelo desenvolvimento e envolve os processos proximais, caracterizados pela interação recíproca progressivamente mais complexa de um ser humano ativo, biopsicologicamente em evolução, com as pessoas, objetos e símbolos presentes no seu ambiente imediato (Bronfenbrenner & Morris, 1998).
- Para avaliar o ambiente ecológico, Bronfenbrenner e Morris (1998) sugerem a análise de quatro níveis ambientais, denominados como microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema. O microssistema é caracterizado como um contexto no qual são estabelecidas relações e atividades face-a-face e onde operam os processos proximais que produzem, sustentam o desenvolvimento e no qual se assume um papel social.
- O exossistema envolve os ambientes que a pessoa não frequenta como um participante ativo, mas que desempenham uma influência indireta sobre o seu desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1979/1996). No contexto da gravidez adolescente poderiam ser identificadas, por exemplo, as estruturas de ensino e saúde. O macrossistema é composto pelo padrão global de ideologias, crenças, valores, religiões, formas de governo, culturas e subculturas presentes no cotidiano das pessoas que influenciam seu desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1979/1996). Como a percepção social e cultural sobre este fenômeno que influenciarão, embora indiretamente, a forma como a jovem, a sua família e a sociedade lidam com este acontecimento.
- Tendo em vista esse modelo teórico metodológico, este artigo tem como objetivo analisar o fenômeno da gravidez para adolescentes que vivem em situação de pobreza e identificar os fatores de risco e os fatores de proteção associados a este acontecimento. Tal escolha se justifica devido à necessidade de compreender a pessoa em foco, no caso a adolescente, a sua própria interpretação da realidade e as interações estabelecidas com seu ambiente ecológico.
A Gravidez na adolescência